Não é de hoje que a venda precoce dos craques brazucas pra Europa é um tema preocupante. Muitos acreditam que essa lógica tira a identidade da seleção e torna certo jogadores desimportantes. Há quem diga que isso deixa a seleção mais fraca e menos comprometida com a torcida.
Logo depois da conquista da Copa de 1958, Nelson Rodrigues criticou o assédio dos times de fora em cima dos nossos craques. Ele comentava que, ao vender seus jogadores campeões, os times cometem um ato de desrespeito às suas tradições e de submissão aos cifrões estrangeiros, alertando que “nenhum clube, nenhum povo tem direito de vender seus heróis. Nem o herói tem direito de vender a si mesmo. Amigos, no dia em que deixaremos de prezar os valores gratuitos, vamos cair todos de quatro, todos”.
Talvez, essa seja uma das últimas seleções que ainda tenha a presença de jogadores com alguma história no futebol nacional, como é o caso de Neymar e Gabriel Jesus, que chegaram a ganhar algum título relevante no Brasil antes de partirem pra Europa, ou salvo pelas convocações de jogadores do Flamengo e do Palmeiras, que somam três reservas entre os vinte seis convocados.
Jogadores como Raphinha, Antony, Vini Jr., Martinelli, Richarlison, e Rodrygo receberam muito cedo o código de barras futebolístico e saíram de seus clubes de origem sem conquistar um grande título. Como atacantes, não chegaram a fazer 20 gols no futebol brasileiro. Diferente de Neymar, que com 21 anos chegou ao Barcelona consagrado, com quase 150 gols pelo Santos e com uma Copa Libertadores no currículo.
Desde que essa lógica se tornou realidade, o Brasil vem colecionando atuações ruins nas Copas. Nos campeonatos mundiais de clubes, já saímos daqui sabendo que vamos perder. Evitar uma goleada dos gigantes europeus (turbinados de sulamericanos e africanos), tem sido motivo de comemoração nos últimos anos.
Nelson Rodrigues profetizou bem nosso tombo perante os gringos, pois a estratégia do futebol-negócio se tornou a bola da vez. Os jogadores surgem com o sonho de ir pro exterior, antes mesmo de serem profissionais, nós concordamos com isso por conta da crise financeira dos clubes, enquanto a Europa domina a cena e a nossa bola vai murchando.
Desde a Copa no Brasil em 2014, muito tem se falado sobre a elitização do futebol. A maioria dos brasileiros que podem ir a Copa se comportam como turistas e não como torcedores, porque seja aqui ou no Catar o que menos se vê é o povo nas arquibancadas. Gente preta e pobre, nem se fala. Assim como acontece nas quatro linhas, onde Brasil se estrangeirou de vez (faz tempo!).
Essa lógica é tão avassaladora que para além de uma seleção com código de barras, esse efeito está gerando torcedores com código de barras. Constatei isso recentemente, ao brincar de bola com uma mulecada em uma escola que eu trampava. Antes da brincadeira fui perguntando qual era o time de coração de cada um e as respostas mais comuns eram:
Barcelona, Real Madrid e Paris Saint Germain, prussor!
Depois dessa, fiquei com receio de perguntar qual era a seleção favorita da turma. Resolvi ficar quieto pra evitar cair de quatro, como diria o cronista, e com a cara no chão de tanta vergonha daquilo que vem se tornando o futebol brasileiro no imaginário da nova geração.
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Michel Yakini-Iman
Michel Yakini-Iman é escritor. Nasceu em São Paulo e atualmente vive em Itanhaém-SP. Autor de Na medula do verbo (crônicas, 2021), Amanhã quero ser vento (romance, 2018), Acorde um Verso (poesia, 2012) e Crônicas de um Peladeiro (2014). Colaborou como colunista no portal Na Galera Futebol Clube, dedicado ao futebol de várzea de Salvador-BA em 2021.
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