Posso ser exagerado e passional, porém sincero: a maior crônica de todos os tempos, acho eu, chama-se “A última crônica” de Fernando Sabino. Recomendo que a procurem no Google e deleitem-se com a beleza e a sensibilidade do autor em enxergar um imenso tudo num muito pouco, ou no detalhe quase imperceptível.
Certo de não chegar nem às travas das chuteiras de Sabino, ouso surrupiar o título (só o título) de um texto que não é meu, mas que, por obra e graça de eu ter aprendido apreciar o melhor da vida, mora dentro de mim.
Antes de a bola rolar entre França e Croácia, já me escorreu um filete no canto dos olhos. É aquele aperto
no peito chamado saudade de instantes atrás, quando tocava Cidade Maravilhosa nos bailes de Carnaval da minha adolescência.
Foi bonita a festa, pá – no redizer de Chico Buarque. Foram 31 dias da Copa mais imprevisível, taquicárdica, surpreendente e emocionante, entre as 16 que vivi.
Claro, a frustração do Brasil sair nas quartas foi um ornitorrinco servido com jiló e pepino crus no jantar. Difícil de digerir, ainda mais porque, me perdoem os engenheiros de obras prontas e os snipers de culpados, eu gostava dessa Seleção Brasileira. Já opinei que ficamos no caminho por milímetros, caprichos do futebol, mais competência e sorte de vencedores e maldade do acaso contra nós perdedores. Mas não quero falar disso mais não.
Quero lembrar que os sensíveis às artes do futebol foram muito bem gratificados. Não vou citar jogadores, nem lances, nem jogos, nem das emoções das torcidas nos estádios, nos sofás e no planeta. Foi a Copa de explosões e punhaladas nos acréscimos, nas prorrogações, nos sopros que precedem os apitos finais. E mais não digo. Deixo para o leitor disparar suas lembranças e cuidar da sua própria lista de momentos inesquecíveis.
Na minha vivência, talvez a Copa de 70 tenha reunido o crème de la crème de craques fabulosos em diversas seleções, lances e jogos que merecem um pavilhão no Museu do Louvre, como obras de arte que a
humanidade produziu. Não é saudosismo paralisante.
É nostalgia sadia. É um olhar para trás e um agradecimento por ter sido contemporâneo daquele esplendor. Hora de bola pra frente.
Guardadas as devidas proporções, olho para a Copa da Rússia com o mesmo sentimento de gratidão por vivê-la (ainda não acabou, escrevo antes da final) à flor da pele e pelas entranhas cardiovasculares. Se esta Copa não foi um estado da arte em técnica e inovação, foi um turbilhão de adrenalina. Ah, que foi, foi.
Neste sábado, Bélgica e Inglaterra disputaram o terceiro lugar, aquele jogo com gosto de cabo de guarda chuva. Mas penso que os belgas mereceram.
Neste domingo, França ou Croácia dormirão em êxtase. Segunda feira, franceses e croatas acordarão de ressaca, pelo sim, pelo não. E eu vou acordar feliz.
A tristeza da eliminação do Brasil – ih, prometi não tocar mais nesse assunto – não é maior que a honra de ter sido acolhido pelo Crônicas da Copa, o que me permitiu expressar sentimentos e contar invencionices que não mereciam as gavetas de um escriba enrustido.
Vivo agora um momento de formatura de faculdade: muito obrigado aos que me convocaram, muito obrigado aos que me leram, muito obrigado aos que curtiram, comentaram, compartilharam e aos que nem uma coisa nem outra.
Muito obrigado, Copa do Mundo.
No Catar a gente se vê.
Se os deuses do futebol quiserem.
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José Guilherme Vereza
José Guilherme Vereza é publicitário, redator, diretor de criação, escritor, ficcionista, cronista, roteirista. Pós graduado em Pedagogia, acrescentou o “professor” nessa lista de coisas que gosta de fazer. E não para por aí. É pai de quatro (objetiva e subjetivamente), avô de dois, metido a cozinheiro, botafoguense típico, ama escrever. Ter sido convocado para o timaço do Crônicas da Copa é seu imodesto gol de placa.
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