Esporte ou arte

Como entender vinte e duas pessoas correndo atrás de uma bola, numa competição que pode acabar empatada, às vezes sem gol? Que maldita regra é o impedimento, que pune o artilheiro quando a situação é mais propícia ao seu sucesso? Por que só um jogador de cada time pode botar as mãos na bola, já que, se isso fosse um direito coletivo, o jogo seria mais dinâmico?

Há muitas formas de desmerecer o futebol, e listei algumas. Apesar de sua popularidade, esse esporte é abominado por muitos, e não existem argumentos que revertam essa antipatia. Às vezes, um jogador bonito — num momento, como o das Copas, em que os jogos são vistos em festas —, ou uma polêmica que aguce uma curiosidade momentânea podem fazer com que aquele que é indiferente ou mesmo o que odeia o futebol se renda e até se entusiasme. Mas, no minuto seguinte, já estará enfarado diante da televisão, sonolento perante a bola, que vai para a frente, corre para o lado, volta para trás, é devolvida ao goleiro, que então faz tudo recomeçar.

Gostar de futebol não se transmite pelo sangue. Tenho a impressão de que a coisa acontece por um evento fortuito: um vento ou uma chuva inesperados inoculam o desavisado. É verdade que no Brasil os campinhos de várzea (cada dia, em menor número), a mídia, as conquistas da seleção são fatores atraentes, mas, em países tão diferentes, alguns que não têm tradição nenhuma na área, também se vê com entusiasmo esse jogo de bola.

Meus dois filhos adoram futebol, a filha, nem um pouco. Uma de minhas sobrinhas sempre gostou e jogava bem, o que não acontecia com seus dois irmãos, embora um deles goste de futebol. Já outra sobrinha, quando indagada sobre o time pelo qual torcia, respondia, do alto de sua adolescência, que era o “beijo na boca”. E todos eles cresceram no mesmo meio ambiente, o de uma família com tradição de torcer por clubes, mas não de morrer por eles. Minha mãe, botafoguense, tinha orgulho do time, se alegrava e se entristecia com os resultados, enquanto meu pai não ligava a mínima, embora, ao assistir a uma partida (as da seleção e olhe lá), opinasse bastante e nunca entendesse essa coisa de jogar pelos flancos, justo ali perto da linha que, se ultrapassada pela bola, a faz mudar de dono.

Dito isso, que pouco diz, acrescento um detalhe: diante de um golaço como o que o camisa nove do Brasil — um capixaba de nome pomposo, Richarlison — fez, as coisas mudam. Ali não é mais futebol. Ali é um santo baixado, um artista plástico que, com o movimento do corpo e o uso dos pés — o voleio, redesenha o espanto. Ora, dirão os detratores, o gol pode ser visto, revisto, uma, duas, milhares de vezes nos telejornais, pela Internet, não é preciso acompanhar tediosos noventa minutos. Ledo engano, a beleza é maior quando se compreendem as circunstâncias em que ele foi feito. O marasmo, os sustos, os dribles, as faltas, as polêmicas quanto às decisões do juiz, tudo isso torna o gol mais belo.

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