Preciso cuidar da saúde, fazer exames médicos, mandar lavar o carro, fazer compras, tocar a vida cotidiana, mas hoje é sexta-feira, é o Dia do Samba, tem jogo do Brasil. Suspeito que há uma conjunção universal em defesa da preguiça, da irresponsabilidade.

O problema é que o calendário está fixado na parede, já sem a foto de Rose de Primo, denunciando minha idade. Aliás, acabei de confessar minha faixa etária, pois só que já viveu sessenta verões, e além, lembrará as poses provocantes da modelo nos calendários da Petrobrás.

Houve um tempo em que postos de combustíveis traziam mais emoções que os constantes aumentos da gasolina.

Enfim, fico cá agindo como um cavaleiro, recusando parar nas vagas disponíveis para idosos, como pedem o Detran e o cartão que gentilmente me deram na última visita que fiz ao órgão. E ainda levanto-me para dar o assento a uma pessoa mais idosa que eu. E ainda me assusta a lembrança da manchete de um jornal carioca da década de 1960: Coletivo invade casa e mata velhinha de 35 anos.

Houve um tempo em que a velhice começava mais cedo, embora nas conversas de família se ouvia dizer que a vida começa aos quarenta. Por este prisma estou com 21 anos e preciso cuidar da saúde, mas tem jogo do Brasil e Daniel Alves entrará em campo aos 39 anos.

De repente, não mais que de repente, os preceitos etários retomaram as manchetes. Pensando nisso, preciso cuidar da saúde, preciso terminar esta crônica, preciso atualizar minha tabela da Copa, mas antes têm os jogos de hoje. Portugal e Coréia do Sul, Gana e Uruguai, Sérvia e Suíça. Preciso saber o próximo adversário do Brasil, preciso ver o jogo do Brasil.

Preciso de uma cerveja.

Acho que a finalização da crônica pode ficar para amanhã.

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E o que foi o dia de ontem…

Frente à televisão torcia por uma sobrevivência dos nossos vizinhos Uruguaios. Não sei de certeza, mas deve haver em cada brasileiro um sentimento atávico de vingança ao Maracanaço de 1950. Não deu, vamos mesmo enfrentar a Coréia do Sul, e aí começam nossas apreensões. Essa gente vive em guerra há anos, e a cena inesquecível daquela rodinha no meio do campo a secar Suárez e companhia, e o choro do mesmo… tudo nos deixa tensos.

Foi com esta expectativa que não me dispus a ficar sozinho em casa. Fui assistir ao jogo num bar, na companhia de desconhecidos. O clima era de festa. Estávamos classificados em primeiro lugar no grupo e nada abalava nosso otimismo. Com a perspectiva de ver o “idoso” Daniel Alves e o time reserva em campo, não nos lembramos de Portugal e França, derrotados usando a mesma estratégia.

E o bar era um bar, com crianças chorando, pessoas falando alto e dançando sem música, garçons apressados e a voz de Galvão Bueno sumida, mas aí começou a partida e o mundo calou deixando soar uma última frase de otimismo: camarão bom é ao alho e óleo.

Não posso dizer que o Brasil jogou mal, mas que nos deixou um gosto amargo de quero muito mais, lá isso não se pode negar. Daniel Alves decepcionou, os ataques foram frustrantes. Alguém no bar, de certo um flamenguista, pediu a entrada de Pedro. Tite, no Qatar, ouviu e atendeu, mas Pedro também não foi Pedro. No final Camarões fugiu da panela, não dormiu, não foi levado pela onda, venceu de um a zero e, feliz, embarcou de volta para casa.

No bar escondíamos a tristeza numa alegria renovada. Voltamos a falar alto e a dançar sem música. A esperança renascia na certeza de que segunda-feira tem ponto facultativo.

Na terça-feira começo a cuidar da saúde.