Do tamanho da telinha do celular

Acordo antes das 4h da manhã pra pegar um voo pra Campinas, outro pra Vitória, uma van pra locadora onde o carro nos levará pra Iriri, litoral capixaba dos verões da infância e adolescência. A saga termina por volta das 14h, prazo suficiente pra comer uma moqueca e correr pra casa a tempo de ver o jogo do Brasil. O do Uruguai havia visto, bem ou mal, na telinha do celular, pela estrada afora. Férias em família são assim. Corre-corre, interesses diversos conciliados e a confluência de todos pra frente da TV, afinal o Airbnb havia anunciado que havia wi-fi e todos os canais pra ninguém perder nada.
Mineiros em férias na praia já viraram até comédia no teatro. Não à toa. O jogo ainda estava longe de oferecer qualquer emoção quando a internet caiu e não houve Cristo que a fizesse voltar. Resultado: todos em volta do celular pra capturar as microimagens da partida da equipe reserva do Brasil contra os camaroneses cheios de gana (desculpem o trocadilho, não pude evitar). Nada mais adequado. Telinha suficiente pro tamanho do futebol jogado.
Concordo que os brasileiros, titulares ou não, têm qualidade pra jogar em qualquer equipe do mundo. Mas se a formação principal é um time com bons jogadores, a reserva são bons jogadores que não formam um time. Nitidamente não tinham conjunto, não deram conta sequer de fazer um golzinho. E do outro lado estava Camarões.
Dediquei minha crônica de ontem a defender os africanos. Hoje, tive mais de um motivo pra ficar dividida. Pra começo de conversa, o placar mostrava CAM (Clube Atlético Mineiro) versus um time de azul. Meu coração tem lado e todos sabem qual. Depois, a tese da crônica passada, sobre a dívida histórica com nossos irmãos africanos. E ainda por cima tinha aqueles jogadores do Flamengo, que já haviam perdido a classificação pelo Uruguai (não resisto à provocação) e ameaçavam pôr tudo a perder também pro Brasil.
Em alguns momentos, ainda no primeiro tempo, me vi gritando “Aboubakar! Aboubakar!”. Era pra fazer graça. Nem podia imaginar que seria ele, o 10 camaronês (foto), o nosso algoz. Por sorte, nem Camarões nem a Suíça fizeram mais nenhum, de modo que o primeiro lugar do grupo se consolidou sem maiores percalços.
Eu já tinha imaginado uma crônica sobre o Brasil ter sido a única seleção a ganhar os três primeiros jogos desta Copa do Mundo. Não foi dessa vez. Prevaleceu o que os outros grupos esbanjaram: vitórias improváveis de países supostamente inferiores, zebras, zebrelos, tradições quebradas, crescimento dos pequenos, mesmo daqueles que não passaram de fase, mas derrubaram tabus. O que confirma a regra de ouro do futebol: a imprevisibilidade, a possibilidade do melhor não vencer, o sobrenatural que entra em cena e altera roteiros preestabelecidos. Por isso mesmo é tão bom. Mesmo quando a derrota é da gente.

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