Não tenho intimidade com o futebol. Tradicionalmente, avô e pai eram corintianos fanáticos. Em casa, nem marido nem filhos se interessaram pelo assunto. Demorei um tempinho para perceber a diferença entre um tiro de meta e um corner, batizado depois de “escanteio”, de canto. E “ficar para escanteio” virou expressão idiomática.

Mas, quando se trata de Copa do Mundo, todos se pronunciam, torcem, sofrem. Acredito que o entusiasmo seja mais pelo social, pelo feriado, pela farra do que propriamente pelo patriotismo.

A primeira Copa de que me lembro foi a de 1958, na Suécia. Muitos leitores nem tinham nascido, mas eu estava de férias no Rio de Janeiro quando a seleção brasileira campeã voltou com a taça Jules Rimet (que tem nome de um francês e foi surrupiada por um brasileiro) empunhada pelo capitão Belini. Tudo o que interessava à menina de então era admirar aquele homem lindo, ao lado de outro muito charmoso, o Gilmar, que eu conhecia porque jogava no Corinthians. Eram belezas naturais, simples. Nada “mascarados” como os atletas de hoje.

Outra Copa que guardo na memória é a de 1970, no México. A conquista do Tricampeonato. Uma alegria para encobrir as desventuras da ditatura militar. “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo…”. Pois não é que subi a Augusta sentada num capô de Fusca??? Que vergonha! Sim, o passado me condena.

Um momento marcante foi também a Copa de 1990, na Itália, quando a Argentina perdeu para a Alemanha na final. Estava em Buenos Aires e senti a comoção dos nossos hermanos, revoltadíssimos com a história de um pênalti. Ninguém nos atendia no hotel, tudo estava fechado. Foi um grande estresse coletivo.

Fora essas ocasiões, acompanhei as demais Copas e conquistas do Brasil como quase todo o mundo. Tá. Aquele 7X1 da Alemanha, em casa, 2014, doeu. Foi até engraçado, se não tivesse sido trágico. Emendaram um gol no outro! Acho que nossos jogadores, que ganham uma fortuna vergonhosa, têm mais é que trazer o título. Aliás, nem conheço os convocados atuais que, em sua maioria, jogam em outros países.

Agora vem essa Copa no Qatar (adoro essa ortografia). Um emirado absolutista. Uma monarquia hereditária. Quanto luxo e contradição! O país não tem tradição de futebol, mas é rico. Hoje conta o marketing, o lobby, a oportunidade. De um lado, vão gerar empregos. De outro, enriquecer mais ainda.

O álcool é proibido para os catarenses/catarianos, mas os estrangeiros vão poder beber em lugares específicos, como hotéis, e só poderão comprar bebida uma hora depois das partidas.

            O torcedor precisa estar atento ao vestuário e também às manifestações públicas de carinho. Considera-se obscenidade o afeto em público, o que pode levar à prisão.  Homoafetivos e mulheres são discriminados. Não sei como vai funcionar com os turistas.

            Além disso, a liberdade de imprensa é controlada, assim como a liberdade de expressão. Os trabalhadores, de um modo geral, ficam invisíveis e sei lá quais são as condições de trabalho deles. Estive em Dubai, outro país dos Emirados, e não vi um operário sequer, em sua maioria imigrantes, responsáveis pela construção daquelas maravilhas arquitetônicas e tecnológicas.

            É nesse contexto que os jogos serão realizados. Particularmente, acho que Qatar não combina com futebol. Não dá match. Mesmo em estádios exuberantes e climatizados. Será uma tentativa de abertura, de modernidade? Os  Emirados Árabes estarão mais flexíveis aos costumes ocidentais? Ou se trata apenas de tino comercial para conseguir alguns milhões além dos petrodólares?

            Vendo o lado positivo da festa, podemos constatar que, assim como as guerras criam necessidades e impulsionam a criação de novas soluções, como a comida enlatada, o micro-ondas, o GPS, eventos como esse possibilitam formular novas invenções tecnológicas ou modos de lidar com acessibilidade e inclusão. No Qatar de 2022, por exemplo, haverá salas sensoriais para autistas, com iluminação indireta, isolamento acústico e amplas janelas, que permitirão assistir aos jogos em um ambiente tranquilo, longe do barulho assustador das arquibancadas. Também foi construído, em 2021, para a Copa Árabe, o espetacular Estádio 974, constituído de 974 contêiners, e que será desmontado após o término dos jogos. Simplesmente genial!

            E o torcedor-turista irá aprendendo a lidar com esses fatores enquanto conhece a encantadora Doha, hospeda-se em hotéis maravilhosos, visita as mesquitas, vivencia os encantos do deserto, vê uma corrida de camelos, vai à praia…

             De repente, pode até sobrar um tempinho para torcer e gritar:              _Vai, Brasil, ser hexa na vida!!