Inimigos do afeto

Naquela semana ela soube que haveria um campeonato na escola do seu esporte favorito: futebol. Sentiu um friozinho por dentro. Imaginou-se jogando. Sorriu. A vida é boa.

Em casa propagou a novidade e disse que se inscreveria no dia seguinte. Na hora de dormir, enrolada no lençol, lembrou-se de cobrir os pés para que nada de mal lhes acontecesse. Agradeceu ao seu santo anjo por estar naquela escola. Sonhou que se inscrevia. De tão real, sentiu-se inscrita. Mas não estava.

Quando entrou na salinha para confirmar a sua participação topou com a secretária e uma madre. Elas lhe disseram, achando graça (?!), que o campeonato não era para meninas. “Como assim?”, pensou. “Mas eu gosto de futebol e jogo faz tempo com os meninos. Eu consigo”, balbuciou. Não pode mesmo, ouviu, uma última vez, da superiora. Seus olhos lacrimejaram. Saiu da salinha, mas a salinha não saiu dela.

Quando soube da negativa, a mãe interveio. Foi a segunda mulher a ouvir, também de uma mulher, que meninas não seriam aceitas. Tentou arrazoar que as crianças tinham 10 anos, que a filha jogava com os meninos há tempos, que o futebol não é masculino ou feminino, que a filha estava triste, que há mais coisas envolvidas… De nada adiantou.

De noite a menina rezou para Santa Rita de Cássia, a santa das missões impossíveis. Disse-lhe numa voz-menina: “Santa Rita, não sei se você gostava de jogar bola. Se não, não sabe o que perdeu. Eu gosto! Quero jogar o torneio da escola. Te suplico: mude a ideia da sua amiga. Amém”.

A mãe não rezou pra ninguém. Dormiu com raiva da madre, inclusive. “Vocês me pagam!”Tomou a atitude de uma mãe moderna de menina, aquela que acredita na igualdade de gênero e judiacializou a coisa toda. O advogado ganhou a causa com facilidade.

Não deu tempo de jogar.“Santa Rita devia tá muito ocupada”, pensou. Ela mal entendeu, mas a causa foi ganha. A mãe tirou a filha do colégio e colocou em outro. Antes, certificou-se de que meninos e meninas vestem a cor que quiser, jogam o que quiser, são o que nasceram, rezam e não rezam. Com a grana, pagou um ano de mensalidade na escola nova. Pensou que, “Ao menos, com a conquista outras meninas poderão fazer o mesmo sempre que se sentirem injustiçadas. É o caminho para enfrentar os exterminadores do futuro, os inimigos do afeto”. Aqueles que insistem em seguir vilipendiando o que importa.

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