O relógio do tempo – Um conto de Natal

Final de tarde, começo da noite do fatídico nove de dezembro. Só precisávamos segurar mais cinco minutos, entretanto a eternidade quis que trezentos segundos se tornassem quatro anos.

Tive que trabalhar após o jogo. De bico, assistindo à uma ata de audiência gravada na Justiça Trabalhista. “Que testemunha mentirosa!”, eu pensava; “mas eram só mais cinco minutos”, eu lembrava; “Ai, aquela minuta de acordo!”, me preocupava; “mas eram só mais cinco minutos”. Resolvi bater o ponto e pensar na vida. Haveria vida após a desclassificação?

Nesta época do ano, nossa decoração de Natal já estaria montada, mas decidimos aqui em casa (tentar) evitar misturar as decorações da Copa do Mundo com as natalinas. Sim, aqui em casa, nós fazemos decorações para Copas do Mundo e Olimpíadas e eu ainda vou explicar para vocês, caros leitores, os porquês de sermos apaixonados por estes eventos esportivos. Por volta das 19 horas, decidimos montar a árvore de Natal. Quem sabe Papai Noel trouxesse um relógio do tempo e me colocasse no meio do gramado para fazer aquela falta no croata?

Entre um enfeite e outro, pensava nos “ses” e naquilo que seria minha fatídica crônica sobre nossa batalha contra os croatas. Durante a Copa do Mundo de 2022, antes de escrever, eu sempre perguntava ao Pedroca o que seria legal falar, que emoção daquele dia poderíamos levar aos nossos caros leitores. Ele sempre me dava uma sugestão ou dica. Desta vez, com a voz embargada e ainda com os olhos marejados, fiz a mesma pergunta, mas ele apenas questionou onde estaria a guirlanda natalina da nossa porta.

O processo criativo veio e vocês podem ler o texto aqui no “Crônicas da Copa”. Hoje, eu ainda penso nos “ses”. Eu pareço aquele meme, olhando para o horizonte lá na minha sacada do 24º andar de forma pensativa. Do mesmo jeito, da mesma forma que nas outras vezes, eu li o texto em casa para avaliações e sugestões.

Após minha leitura com aquela mesma voz embargada, Pedro, do alto de toda sua sabedoria, opinou:

– Papai, que texto triste! – meu coração doeu ainda mais.

– Mas Pedro, tem uma mensagem de esperança no final. Em 2026, voltaremos a sonhar com o Hexa!

– O texto continua sendo triste! – retrucou.

– Hoje, é um dia triste para os brasileiros, Pedro – ele ainda não tinha percebido a dimensão de uma desclassificação numa Copa do Mundo – Nós perdemos, eu estou muito triste – e segurava as lágrimas que teimavam inundar meus olhos – você não está?

– Eu estou triste, papai, mas estamos montando nossa decoração de Natal. É Natal!! Uma época de muita felicidade e você sabe que eu adoro o Natal. Estou triste, mas estou feliz!

Realmente, somos pequenos diante da sabedoria destes pequenos. Damos importância a alguns assuntos não tão importantes assim.

Camilla, esposa e mãe, apenas acompanhava aquele diálogo em silêncio, sentada na poltrona, aquela mesma poltrona que cortou a testa de Pedroca no primeiro jogo da Copa. Talvez, sentisse um pouco daqueles sentimentos, em dobro ou não, mas sentia. Em seu âmago, torcia para que Pedroca, quase oito anos, ainda acreditasse mais um ano no velho Noel. No seu coração, queria que o marido ganhasse um relógio do tempo. Na tela do seu celular, pesquisava no Google “relógio do tempo”. Ela sabia que se tivesse esse relógio em mãos, seu marido faria de tudo para consertar os erros do passado.

Meia-noite no relógio e o trabalho natalino se encerrou. Tiramos nossa tradicional foto natalina. Mais uma vez, nosso Pedroca em meio às luzes de Natal nos iluminando como sempre. Após o banho, ele dormiu em paz. A missão de decorar a casa para o Natal estava cumprida. Agora, era só esperar o Natal chegar e, com ansiedade, torcer para que o Noel descesse à chaminé novamente, afinal, Pedroca tinha sido o melhor aluno do segundo ano.

Aos pais, restava acreditar naquele relógio do tempo. Será que ele existiria? Pois o tempo estava passando e o bebê de ontem já se tornava quase um pré-adolescente, cheio de opiniões inocentes, mas sábias.

Ao fundo, os sinos de Belém badalaram.

Os duendes ajeitaram o trenó e prepararam as renas; o Noel beijou a Noel e partiu para mais uma jornada. No seu coração, pensava naquele pedido do relógio do tempo lá no meio da Lapa; imaginava como poderia ensinar que o melhor relógio do tempo seria aproveitar aqueles momentos, de felicidade ou não.

Naquela meia pendurada do 24º andar, Noel deixou um presente. Deixou o seu relógio milenar com os ponteiros parados e olhou para o quadro que estava pendurado na parede da sacada: “Aproveitem todos os momentos, pois eles são eternos”.

Enquanto isso, Mamãe Noel tomava um chá de camomila e, sentada na sua poltrona preferida, lembrou que faltavam cinco minutos para o fim da prorrogação. “Por que vocês foram para o ataque?”, pensou em silêncio, olhando para a camisa autografada do Pelé, presente entregue pessoalmente pelo Rei do Futebol em outra vida.

Lá na Lapa, Noel ainda pensou em usar o seu relógio do tempo, mas não podia. Ouviu um barulho no quarto da criança e partiu. Ainda tinha que deixar os presentes de Natal para as crianças croatas.

Ao fundo, os sinos de Natal badalaram e Pedroca também ganhou o presente que havia pedido na cartinha.

Era o momento de colocar o pequeno Jesus no seu devido lugar. Naquele lugar onde o tempo parou.

Por mais um ano, o conto de Natal renasceu.

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