A estreia capilar de Fefeu

O telefone do quarto do “professor” tocou de manhãzinha. Era André Toquinho.

– “Professor”, é Toquinho.

– Fala, meu guri?

– “Professor”, tô muito preocupado. Fefeu acordou e foi direto para o espelho, como sempre faz. Olhou-se, passou as mãos no cabelo e balançou a cabeça negativamente.

– Tá, mas o que é que tu acha que é?

– “Professor”, eu acho que ele não gostou do cabelo.

– Meu Deus do céu! Não brinca com isso, tchê!

– Então, “professor”, desde que isso aconteceu, parou de falar. Apenas responde. Agora há pouco, saiu do quarto. Nem disse aonde iria. Mas tava muito abatido.

– Que barbaridade! Mas não estava tudo certo? Aquele guri, o que mora nos USA, “parça” dele, não esteve aqui esses dias para aparar o cabelo dele e o do “guapo”?

– Sim, mas acho que deu ruim.

– Por que é que tu diz isso?

– Porque Fefeu, quando se olhou no espelho e passou ambas as mãos no cabelo, suspirou e disse bem baixinho: “tá sem brilho!”.

– Hum! Logo a tonalidade! Isso torna as coisas ainda mais difíceis! Porque aquele guri que teve aqui não pinta o cabelo. Ele apenas corta. O que pinta o cabelo mora em Paris e tem uma agenda pra lá de concorrida. Faz o seguinte: sai do teu quarto, com tranquilidade, com comprometimento, e sonde se o problema é esse mesmo. Se for, me liga que eu tenho um plano.

– Tá bom.

André Toquinho saiu do quarto, mas não teve coragem de sondar Fefeu sozinho. Passou no quarto do capitão do time, Canhoto, para contar o caso e angariar sua ajuda.

– Fala, brother!

– Capita, Fefeu acordou e acha que o cabelo está sem brilho. Que não vai dar!

– Puta que pariu! Não brinca com isso! Sem brilho? Mas que merda é essa? Não tava tudo bem? O “parça” não tinha dado um jeito? Soube que mexeu na peruca dele, do “guapo” e, mas não comente, do “professor”.

– Também achei que tava tudo bem. Mas ele foi direto no espelho, como sempre faz quando acorda, olhou-se, suspirou e disse: “tá sem brilho”.

– Avisou o “professor”?

– Avisei.

– Menos mal. Seguinte: tu tem de pedir pra ele abrir o jogo. Eu vou junto, mas é você quem fala. Ele te respeita.

Saíram ambos do quarto, andaram pelo corredor e desceram para a sala de lazer. Fefeu estava na sacada. Olhava para longe, visivelmente abatido. A essa altura já devia ter falado com a mãe, a namorada e o Bill “Cenoura”.

– Fala aí, irmão? – indagou Toquinho.

Nenhuma resposta. Os olhos estavam marejados.

Canhoto interveio:

– E aí, brother, tá com essa cara aí por quê? Hoje começa! Se abre com a gente.

Fefeu virou-se:

– Não queria sentir o que estou sentindo. Mas é mais forte do que eu.

– Fica à vontade, irmão. A gente tá aqui pra te ajudar.

– Então, acordei hoje de manhã e corri pro espelho, como sempre faço. Estava meio assustado porque havia sonhado que os meus cabelos estavam encaracolados. Corri para ver se ainda estavam alisados, para parar aquela sensação terrível. Quando cheguei lá, fiquei aliviado, porque a franja estava lá, lisinha, comprida. Mas, em seguida, me deu um ruim. Faltava alguma coisa. E não era com o corte. Era com… Era com a cor. Estava apagada, sem brilho.

Dito isso, voltou a olhar para o infinito. André Toquinho e Canhoto, o capita, entreolharam-se. Capita rompeu o silêncio.

– Mas, brother, não tava legal? O “parça” não tinha dado um tapa na tua peruca?

– Sim! Ficou bom mesmo. Até liberei ele para voltar para LA. Mas acabei caindo nesse buraco, dei por falta de brilho, de cor no cabelo. Vocês não veem? Olha isso! Nada a ver comigo.

– Ligou pra casa? – sondou o capita.

– Liguei! Falei com a mãe e até com a gata. Elas concordaram.

– Ligou para o “Cenoura”?

– Liguei. Ele também concordou.

– Ligou para o Tana?

– Liguei, mas tá fora de área.

– Mas vamos tentar de novo! Ele pega um jatinho pra cá. Em menos de três horas ele tá aí.

– Tente você, por favor, não tenho força.

Capita pegou o telefone e se afastou. Tocou uma, duas, três vezes e nada. Na quarta deu linha.

– Alô, Tana, meu parceiro, é o capita.

– Fala meu parceiro, e aí? Como tá a rapaziada pra hoje?

– Então, brother, é por isso que te chamei. Fefeu não está bem.

– Como assim?

– Então, ele acha que a peruca não tá legal pra estreia.

– Sério? Você sabe o que tá incomodando?

– A cor, Tana.

– Quem tá aí com ele?

– Eu e o Toquinho. Tana, tu sabe que só tu que põe a mão quando é pra pintar a peruca. Ce tem de vir pra cá!

– Putz, que horas é o jogo?

– 15h.

– Cara, mas agora são quase 8h!

– Sim, mas se tu sair daí agora, chega aqui antes do almoço. Ainda dá tempo.

– Espera um pouco. Já te ligo. Me dá uns 10 minutos.

– Ok.

Capita desligou o telefone e se aproximou de Fefeu e Toquinho.

– E aí?

– Brothers, falei com Tana. Disse que liga daqui a pouco.

O ar estava pesado. Fefeu nada falou.

O telefone de Toquinho tocou. Era o “professor”.

– Toquinho, tu falou com ele? Era o que temíamos?

– Sim, “professor”. O problema é a falta de brilho.

– Meu Deus!

– Como ele tá?

– Abatido. Mas o capita tá com a gente e já ligou para o Tana, em Paris. Aguardamos uma resposta.

– Ele tem de vir, guri. Tem de vir! É uma questão de comprometimento. Ele é brasileiro. Mais do que comprometimento, é uma questão de merecimento. O Tana é o melhor e ele tem de socorrer nosso craque num momento emocional dessa envergadura. Superação é parte da nossa história.

– Tomara, “professor”.

– Diga para Fefeu que estamos ao seu lado. Somos uma só voz nessa hora.

 

O telefone do capita tocou.

– Diz para o Fefeu que vou! Consegui cancelar um compromisso que tinha com a Zaz. Mas terei de bater o pé aí e voltar. Prepare todo o esquema pra mim.

– Sim, sim! Obrigado, meu parceiro!

– Ele vem, Fefeu! Ele vem! Eu sabia que ele viria. Tana é nosso brother, Fefeu! Chuuupaaa! Agora não tem pra ninguém.

Fefeu soltou o ar. Estava aliviado. Levantou-se e os três se abraçaram. Tana deixaria a peruca de Fefeu nova. Ele lacraria. Seria épico. Ainda abraçados, vibravam aos gritos de “Aha, Uhu, o Tana é nosso!”.

A essa altura, a notícia já havia se espalhado entre todos. O “professor” e a sua comissão técnica sabiam que os desejos capilares de Fefeu eram decisivos para o bom rendimento da equipe. Sentados, relembravam de como o Tana resolveu a parada daquela outra vez, em Berlim, quando ele cismou que queria um moicano com mechas. E também daquela outra operação, em Londres, quando o “parça” e o Tana resolveram a parada quando ele queria undercut discreto num tom mais escuro. Foram momentos de tensão, mas com desfechos vitoriosos.

Tana desembarcou e foi levado direto para a suíte do craque. Por onde passou, do concierge ao “professor”, recebeu cumprimentos esfuziantes.

Fefeu o recebeu com um beijo e um longo abraço. Toquinho foi o único autorizado a ficar para acompanhar a pintura da peruca.

Olhos nos olhos, Tana perguntou:

– Fefeu, o que você imaginou?

Fefeu voltou-se para Toquinho:

– Coloque minha playlist, por favor.

Toquinho abriu o celular e o som invadiu o ambiente: sertanejo, pagode. O clima era de alegria.

– Queria alguma coisa com brilho. Está muito apagado. Opaco.

– Perfeitamente! Farei um platinado. Vou aumentar o blonder, para contrastar com a tua pele morena.

Fefeu e Toquinho sorriram.

Tana, o mago, sacou da sua Louis Vuitton tudo o que precisava: cremes hidratantes, shampoos orgânicos, tintas naturais, pincéis intactos. Massageava os cabelos de Fefeu e lembrava de gols do craque depois que mudou a cor e o corte ou o corte ou a cor do cabelo. Fefeu exibia um ar leve, confiante, otimista.

– Pronto, disse Tana.

Fefeu levantou-se. Aproximou-se do espelho. Olhou-se, olhou-se, olhou-se e disse:

– Adorei.

O trio comemorou abraçado. Toquinho saiu de fininho, abriu a porta e encontrou um corredor abarrotado de gente: jogadores, treinadores, seguranças, dirigentes, hóspedes, empregados, patrocinadores. Todos o olharam.

– Ele gostou – disse.

Foi uma catarse. Comemoraram como se fosse um gol. Houve até quem derramasse lágrimas. O otimismo e a confiança haviam sido restabelecidos. A esperança em vencer mais uma Copa voltara. O hexa estava perto.

Para garantir a privacidade de Fefeu e a segurança de Tana, o staff esvaziou o corredor e um elevador foi reservado. Fizeram uma corrente humana para Tana até a BMW que o levaria ao aeroporto. Ele saiu ovacionado. E não era para menos, pois devolveu a todos, por uma intervenção cirúrgica na cabeleira de Fefeu, a esperança do sonhado hexa. Tana, o mago; Tana, o “nosso” Tana; brasileiro, competente, comprometido.

Fefeu entrou no campo exibindo seu blonder platinado. Lacrou. A TV não o largou um minuto. Em todas as faltas sofridas por Fefeu, comentou-se sobre o brilho do seu cabelo, de como se mantinha liso, moderno, criativo. Fefeu ampliou seus seguidores em tempo recorde, foi manchete nos principais jornais e revistas de todo o mundo e, de quebra, fechou mais dois patrocinadores do ramo de cosméticos. Estava radiante. Todos estavam. Isso ficaria para sempre na história da Copa. Fefeu, aquele que venceu, com a ajuda de Tana, o mago, o drama capilar que, se não resolvido, impediria a sua estreia em grande estilo. Perguntado após o jogo sobre o episódio, o “professor” disse que era uma questão de merecimento, de maturidade, de responsabilidade, de coerência, de experiência.

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