Viva sua glória: se o milagre vier, você merecerá desfrutá-lo

Com os lábios lívidos de um pranto reprimido, minha filha de onze anos, que assistira à partida da seleção contra a Croácia no salão de jogos do prédio com a irmã e as amigas, entrou na sala do nosso apartamento e emendou: “Que decepção!”. Na TV, Neymar, depois de manter por uma eternidade perturbadora a expressão de incredulidade, desfez-se em lágrimas na íntima e pública descoberta de que o fim era real.

A conquista de uma Copa vai muito além da luta, da competência, da qualidade, do autoaprimoramento, da preparação, da sorte e também da fé. Embora nada disso possa faltar a um campeão, vencer uma Copa é um milagre — para o técnico croata, Zlatko Dalić, vencer o Brasil foi um milagre, ele mesmo disse. Por outro lado, perder uma Copa é uma lição, não para que se possa ganhar a próxima, mas para a vida.

As orações no meio do campo a cada caminhada para a cobrança das penalidades não farão a bola entrar; também não farão o goleiro defender, nem a trave “jogar”. Um time organizado, com os jogadores bem posicionados e devotados, tampouco é garantia de êxito. O imponderável joga sempre, na bola e na vida; enche, cada jogada ensaiada, de uma imprecisa determinação e cada lance fortuito de uma indeterminação precisa. Dois mais dois não dão quatro no futebol, nem na vida.

Explicar uma derrota no mata-mata da Copa nem sempre é possível, filha. O tal merecimento, de que tanto fala Tite, é uma utopia necessária, porque nos guia pela ilusão redentora de que é possível ter o controle. Todos nós nos nutrimos dessa utopia. E o que fica, quando o grandalhão croata acerta (com um desvio) a primeira e fatal bola na direção do gol brasileiro ou quando o pênalti de Marquinhos não entra, é um gosto de ironia na boca e na alma.

Minha filha, a vida é um melado de ironia e cada vez mais me convenço de que toda glória é, em essência, uma íntima conquista. É na luta, na competência, no autoaprimoramento, na preparação, na sorte e na fé que se vive a glória, independentemente do resultado. O milagre e a lição são o presente a ser recebido e, em ambos os casos, se vence. A derrota é não merecer aprender, é não ser capaz de distinguir milagre de glória.

Filha, essa é uma das primeiras das muitas decepções que, inevitavelmente, a vida vai lhe trazer. Então, que não lhe falte o mérito do aprendizado. Viva sua glória, que, se o milagre vier, você saberá (e merecerá) desfrutá-lo.

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