País dos bordões

A crônica esportiva brasileira trabalha com uma série deliciosa de clichês adoráveis, nosso patrimônio simbólico, ancorado nas antigas transmissões radiofônicas de Fiori Gigliotti, “o tempo passa, torcida brasileira”, Osmar “pimba na gorduchinha” Santos e nas crônicas rodrigueanas de Mário e Nelson, para citar apenas os mais icônicos.

Pois bem, a Argentina fez o segundo gol e agora precisa “valorizar a posse de bola”. Não é maravilhoso? Por que? A Austrália por acaso despreza a posse de bola? Antes a Argentina não a valorizava?

A Argentina deixou a Austrália “gostar do jogo”. Esse é um dos meus prediletos. Quer dizer que a Austrália antes estava detestando o jogo? Não necessariamente. Há muito mais coisas no reino do futebol do que supõe a nossa vã filosofia.

No fundo, penso que precisamos desses lugares comuns, como uma forma de ancorarmo-nos culturalmente na transmissão. É claro que ninguém ali diz mais que o “futebol é uma caixinha de surpresas”, que isso já passou para a dimensão folclórica. Mas há várias frases feitas sendo repetidas nesta Copa como expressões chicletes, sem medo ou pudor.

O tal do “não tem mais time bobo” eu ouço desde a estreia do Zaire (antes de virar Congo) da Copa de 1974, que foi a primeira Copa da qual eu comecei a colar as figurinhas. Uma outra preciosidade que adoro é a tal da equipe que está “jogando por uma bola”. Que eu saiba, só pode mesmo uma bola em campo. Mas a gente ama essas frases de “defeito”, como “o ataque é a melhor defesa”, ou “é um jogador diferenciado, que quebra as linhas”, ou o irritante “não é só futebol”. E a mais repetida de todas, a tal da “jogada de bola parada”: um clássico.

As melhores são essas, quando a coisa beira o non-sense, como o impagável “dois a zero é um resultado perigoso!”. Sim. Muito melhor ganhar só de um, bem mais tranquilo!

Quando tentam definir o “esporte bretão”, aí o campo fica minado de pérolas:
futebol alegria, futebol arte, futebol alegria do povo, magia brasileira, e por aí vai.

Quando dizem que o juiz “não está deixando o jogo correr” eu penso logo nos jogadores andando em campo, sob pena de serem expulsos, que é aquele momento mágico, quando “vão pro chuveiro mais cedo”!

Preciso confessar que passei a amar o futebol pelo radinho de pilha, ou seja, muito antes pela voz dos locutores descrevendo — do que propriamente pelos jogadores realizando — as jogadas. O futebol eu sonhei antes, em pensamento, bem antes de ver.

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