Day after no Catar

Abro a janela. Sim, ele está lá, o sol. Caramba. Esfrego os olhos e não acredito. Mas a despeito da minha retumbante tristeza, dos esquemas apáticos do Felipão, do Mick Jagger rindo na arquibancada, da escalação do Bernard e dos urubus ainda rodando em minha memória atada à esplanada do Mineirão, o sol, oito anos depois, nasce na minha janela e me diz, com sua cara de pau em chamas:

— Bom dia, hexa. — e eu, de mau humor:

— Oi, sol, gol da Alemanha!?

 — Sete é conta de mentiroso — diz-me o sol, solrrindo, ainda zoando da minha testa inchada. E eu lhe confirmo:

— É inacreditável mesmo, sol. Sete a um. Você nunca mais brilhou. Mas que bom que veio agora. Sinceramente, eu não imaginava que um dia isso pudesse voltar a acontecer.



O sol é uma bola. Adora tirar ondas de calor comigo e repisa meu orgulho ferido — Um gol pra cada cor do arco-íris? Olha que lindos os cachos dourados do Davi Luiz! — Irritado, meto logo uns óculos escuros, pois hoje estou pra poucos amigos, além da ressaca monstro, tenho os olhos roxos e uma sacola cheia de gols.

— Gol da Bélgica em 2018?

O sol sabe ser chato. Roda e me chega de mansinho, pela fresta da persiana, diz que quer me consolar, que sabe dar a volta por cima:

— Calma, Brasil, dar festa é assim mesmo, rapaz, você gasta dinheiro, o povo se diverte, a casa fica imunda, mas de que vale a vida sem os amigos? De mais a mais, ficarão as lembranças! — ele insiste em ser legal, radioso, radiante, irritante.



O sol não entende nada de futebol. Mas é uma boa pessoa, apesar de meio esquentado e de lua. Escolheu o Brasil pra morar, embora frequente mais a bandeira japonesa. Diz que é louco por nossa gente, nossas praias. Então se levanta um pouco mais, reluz e me lembra:

— Olha, na Rússia, em vista do baixo astral, não foi possível voltar a nascer, aquilo ali não valeu, esquece. Eu voltarei a brilhar como a amarelinha! Desta vez, no Catar.

Penso em lhe mandar Catar coquinho, mas acho de mau-gosto o trocadilho, mesmo que merecido pra quem ficou tantos anos sem dar as caras. Passando meu SunDown 60, reforço ao sol que não acredito em mais nada:

— A CBF isso, os xeiques árabes aquilo, o Neymar aquilo outro. A seleção canalhinha… estádios com ar condicionado? — O sol ri do meu pessimismo inseguro, e me pergunta, abusado como sempre:

— Cara, quando foi que eu menti pra você?

(Ilustração: Dodó)

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