Eu estava em campo com as jogadoras convocadas. A gente brilhava, sabe como é. Fazendo gol. Driblando com muitos Fouttés. Um Lago dos Cisnes coreografado. A torcida gritava o nome de uma ou outra entre as batucadas. Já havíamos feito 4 gols. Pra que mais? Sei lá. Orgulho besta de querer continuar brilhando quando o treinador diz que você pode descansar.
Metade do segundo tempo. Lá no meio do campo eu vi a loura da Gillette do time adversário me olhar nos olhos e empurrar a bola com os pés. Me pareceu que ela deu um sorriso emoji de lado antes de chutar a bola, mas eu, no lugar certo na hora errada, estava na pequena área e recebi a bola no peito. Sabe aquela coisa de matar no peito e chutar para o campo adversário? A bola veio seguindo uma linha assustadoramente geométrica, em segundos eu vi a bola ir pra torcida adversária e da torcida voltar pra mim, claro que era delírio, nenhum juiz deixaria isso acontecer, mas talvez fosse a intolerância a lactose, o calor, o fato é que a bola aterrissou no meu peito, quando bateu, eu me dei conta: não era uma bola, era uma pedra enorme, quadrada, esfarelada, com arame farpado em volta. Eu só tive tempo de sentir a pedra entrando no peito, o arame furando a minha pele macia pela genética e pelos melhores cremes hidratantes da farmácia da Sé, o sangue explodiu, o coração parou de bater mas eu continuei a suar, a tremer e a sentir a pedra, o peso. Fiz que não era comigo, apesar de morta de medo e de pedra, não era comigo, sacou? Conto os detalhes da câmera lenta. Na câmera normal fingi que aquilo era uma bola de meia. Lépida, matei no peito e passei pra frente, pedi licença aos meus peitos, tão fartos e espertos, os dois me ajudaram a empurrar aquele pedregulho com arame farpado pra frente, aí que pensei, meu deus, vai ferir as outras meninas, fiz aquele olhar de susto, levantei a mão, pedi para parar a partida, eis que a minha parceira Abelha ao meu lado falou, que foi maninha, belo chute, defendeu bem, baixa este braço aí porque o desodorante e nós vencemos.
Eu sorri sem graça, ela não captou, o que rolava ali não era uma bola e sim um pedregulho com arame farpado, mas vai que as meninas em campo sabem lidar com pedregulhos muito melhor do que eu? Acabei de pensar isso e o placar confirmou o que a Abelha tinha me dito. Não senti mais nenhum sangue escorrendo. Apenas o Veuve Clicquot Brut jorrava da garrafa de uma das meninas.
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Lilian Lovisi
Minha cabeça poderia ser uma bola que rola, não em pés de jogadores, mas nas mãos de muitos autores. Amo ler. Amo escrever. Minha cabeça rola pelas árvores, pelas nuvens, pelas asas dos passarinhos. Minha cabeça poderia ser também bola de papel. Papel bem amassado de rascunho cheio de palavras formando um globo. Um outro globo que não é o nosso. Sem imaginação não dá para sobreviver neste mundo. Eu não consigo. Se ele tá ruim eu invento outro mundo, outro globo, nem que seja só pra mim. Não sei se isso é doidice. Autismo. Crônica. Conto. Romance. Acho que é amor.
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