Quando o pai chegou em casa, o garoto estava vestido para matar: camisa oficial do Fluminense, bermuda do Fluminense, meias do Fluminense e cuecas do Fluminense. Chuteira oficial de futebol.
O pai parou na soleira da porta e olhou para cima. No alto da escada, seu filho gritava “Nense, Nense” e agitava a bandeira do clube.O pai abriu um sorriso de uma esquina a outra.
Imediatamente, o filho pulou no seu colo com bandeira e tudo, o que o fez desequilibrar-se um pouco. Um minuto depois, viria o desequilíbrio total, quando o filho perguntou:
– Pai, posso jogar video game?
O sorriso de esquina a esquina, que ainda estava na boca do pai, foi se encolhendo como roupa de moletom quando você põe na máquina de secar.
– Video game agora?
– É pai, só um pouquinho – e agitou mais a bandeira do Fluminense, dessa vez na cara do pai.
– Tá bom, só meia hora, hein? – se fez de sério o pai.
No dia seguinte, tinha jogo do Fluminense. O pai chegou em casa mais cedo e avisou o garoto:
– Felipe, hoje tem jogo. Ponha o uniforme.
Felipe assistiu ao jogo com o pai uns dez minutos. Até o time sofrer um gol. Aí então ele saiu do quarto. O pai entendeu aquilo como chateação: o garoto ficou frustrado, era isso. Logo o Fluminense marcou um gol, o gol do empate, e o pai foi correndo chamar o garoto:
– Vem ver,Felipe,vem ver!
E Felipe, no meio do video game, gritou:
– Tô indo.
Chegou ao quarto do pai, fez festa, gritou “Nense”, agitou a bandeira e voltou pro quarto dele. Depois do jogo, o pai passou no quarto do garoto.
– Ah, não pode largar esse video game? E o jogo do Fluminense? Prefere
ficar jogando isso, né?
O garoto, mais que depressa:
– Ô pai, que é isso? O Fluminense só empatou.Eu não gosto de ver o Flu jogar mal.
O pai sentou na cama do garoto e deu razão a ele:
– Eu também não, filho.
Três dias se passaram. Era final de semana, dia de ficar em casa. Pai e filho ficaram. O pai, regando as plantas e o filho, no video game.
Pela janela, o pai viu o filho no quarto e achou ruim. O garoto percebeu e foi lá para o jardim com o pai, completamente uniformizado.
– Pai, vou dar uma mijadinha aqui – e abaixou a bermuda, deixando à mostra a cueca do Flu. O pai, todo satisfeito:
– Ô filho… tá bonito, hein?
O garoto sentou-se ao lado do pai.
– Pai, lembra aquela vez que o Fluminense foi campeão?
O garoto só tinha 6 anos, nunca vira o Fluminense ser campeão.
– Ô se lembro, filho – respondeu o pai, todo emocionado.
E o garoto desandou a falar do time.Depois, jogou uma bolinha com o pai, uma bola de meia do Fluminense, e em seguida soltou:
– Pai, vou entrar um pouquinho… cansei. Posso jogar video game?
O pai ficou na dúvida, olhou para a grama, e estava quase com o pé num formigueiro de saúvas. Seus olhos se arregalaram. O garoto viu os olhos do pai saltarem, imaginou que fosse de raiva e imediatamente gritou:
– Nense, Nense! Sou tricolor do coração, do time tantas vezes campeão.
O pai voltou a si, e tirou o pé da direção do formigueiro.
– Vai, filho, pode ir.
O garoto voltou pro video game, onde era três vezes campeão.
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Lilian Lovisi
Minha cabeça poderia ser uma bola que rola, não em pés de jogadores, mas nas mãos de muitos autores. Amo ler. Amo escrever. Minha cabeça rola pelas árvores, pelas nuvens, pelas asas dos passarinhos. Minha cabeça poderia ser também bola de papel. Papel bem amassado de rascunho cheio de palavras formando um globo. Um outro globo que não é o nosso. Sem imaginação não dá para sobreviver neste mundo. Eu não consigo. Se ele tá ruim eu invento outro mundo, outro globo, nem que seja só pra mim. Não sei se isso é doidice. Autismo. Crônica. Conto. Romance. Acho que é amor.
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