Muitos anos atrás, eu jogava futebol toda segunda à noite com amigos e depois tomava cerveja. Numa noite estrelada aparecem Bellini, esse mesmo, o capitão da seleção da Copa de 58 na Suécia, o da célebre pose imortalizada ao levantar a taça Jules Rimet, e Vaguinho, aquele mesmo, o ponta do Corinthians do Paulistão 77.
— Podemos brincar? – disse o grande zagueiro campeão do mundo, com sua voz rouca.
— Chega aê!
Vaguinho ficou no ataque do meu time e o Bellini foi para a defesa adversária. Vaguinho corria pela direita e cruzava rasteiro para a área. Aparecia o centroavante – eu mesmo – e guardava. Juro! Meu time ganhou de 7 a 6 e eu fiz quatro, sob as barbas do homem que anulou Just Fontaine, o craque da França, o maior artilheiro de uma só Copa com 13 gols. Tudo verdade.
Bellini já não estava mais com aquela bola toda, lento, perna dura, bruto. Não parava de falar e orientar os companheiros. Um autêntico capitão: pega lá, vai, corta, tira daí, ó o ladrão, ó o ladrão, vira pro outro lado, cruza, cruza, põe essa merda pra dentro, caraio! Num dos meus gols (também, contra um marcador quase sessentão), o xerife me acertou a tíbia (canela). Caí, gemendo. Ele logo veio, me puxou pelo braço, levanta daí, menino, futebol é jogo pra homem! Fiquei em pé na mesma hora, com a canela deste tamanho, olhos lacrimejados de tanta dor.
Depois da pelada, convidamos a dupla ilustre para uma gelada.
— Minha mulher me mata se eu chegar tarde, ainda mais depois de jogar bola com um bando de moleques, à noite, e em plena segunda-feira – desculpou-se o legendário beque-central, de banho tomado, cabelos grisalhos molhados e penteados para trás.
— Voltam aqui na semana que vem – convidei-os
— Mandou bem, garoto! – disse o capitão, pra mim!!!
Quando já estavam no estacionamento, aproximei-me do ídolo.
— Bonito seu gesto levantando a Jules Rimet, Bellini! É uma honra apertar a sua mão.
— Magina. Na verdade, não sabia pra que lado mostrar a taça. Aí, uns fotógrafos brasileiros, baixinhos, que estavam atrás dos suecos, gritaram: “Vira pra cá, mostra aqui pra gente, capitão!” E eu levantei o caneco pra eles fotografarem. Aí o público achou aquilo o máximo e eu mostrei pra todo mundo. Olha isso aqui, olha como eu fico arrepiado até hoje.
Hideraldo Luiz Bellini ergueu a Taça do Mundo em 1958. Depois vieram Mauro Ramos de Oliveira (1962), Carlos Alberto Torres (1970, Carlos Caetano Bledorn Verri, o Dunga (1994), e Marcos Evangelista de Morais, o Cafu (2002).
E agora, quem será o capitão que vai levantar o caneco na Copa do Catar?
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Leonel Prata
Quando pequeno, foi à casa do Rei Pelé em Bauru e ao vê-lo cara a cara, ficou mudo e se borrou todo. Jogador de futebol de peladas desde a tenra infância, quando atuava descalço no paralelepípedo quente da rua da sua casa no interior de São Paulo. Já fez gols em campinhos de areia, gramados e cimentados. Já estufou as redes com a camisa 9 do Tostão (usada na Copa de 70), que ganhou de uma colecionadora. Craque no futebol de botão. Esta é sua primeira convocação para uma seleção brasileira: a dos craques das letras do Crônicas da Copa.
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