O REI MU–DANÇA NA COPA

A Copa do Deserto será sempre lembrada pelo protagonismo de Lionel Messi, finalmente alçado aos píncaros de sua carreira vitoriosa. O título coroa a carreira, cereja do bolo, sem dúvida, apesar de provavelmente não fazer diferença em sua conta bancária. A citação que lembra a música do Gil poderia ser de um tango ou de uma milonga. Ou mesmo um rock. Mas a música de Gil tem algo de jazzístico e nisso combina com o futebol de Lionel: o improviso súbito, saídas inesperadas em curtos espaços, a condução precisa da bola como se estivesse colada a seus pés; como improvisos de sax ou clarinete, suas rápidas e curtas notas/dribles , não desafina.
Lionel Messi se preparou para essa Copa do Deserto como Pelé se preparou para a de 1970. MBappé também se preparou para ser campeão e não foi por acaso que os dois companheiros de PSG disputaram a Final. Fez-se justiça, coisa raríssima em se tratando de futebol, onde a Justiça na maior parte das vezes costuma se distanciar: muitos craques de muitas seleções ao longo da história mereceram e glória não ganharam. A Hungria de Puskas, a Holanda de Neeskens e Cruyff, o Brasil de Falcão. Ambos, MBappé e Messi se destacaram e estavam focados, concentrados, dispostos a sacrificarem o talento individual em prol do conjunto. Compreenderam que no esporte coletivo a glória é coletiva. Parece simples e óbvio, mas muitos não entendem assim. Como MBappé deve ter sentido na pele (por razões diferentes), não existe brilho individual que possa superar a conquista de uma Copa. Para ser justo, digo que Neymar também estava preparado, seu talento floresceu em alguns lances. Mas ficou pelo caminho, sucumbiu nos erros coletivos com o resto do time: os mais gritantes erros brasileiros explodiram na última cena da tragédia quando o jovem Rodrygo foi escolhido para bater o primeiro pênalti… (Precisa dizer alguma coisa? Messi e MBappé, cobradoires oficiais de seus times, foram os primeiros… dica de manual, que o professor Pard, digo, Tite, não seguiu…)
Voltemos a Messi : repararam que ele é um tipo de anti atleta? Baixinho, perninhas curtas, parece o Patati, jogador da base do Santos. Com a camisa fora do calção, Messi tem uma aparência desengonçada, tem nele algo de chapliniano, especialmente quando cisma de fazer fila e os becões o perseguem aos trambolhões.
Numa época – e não é de hoje! – de supervalorização do aspecto físico, especialmente desde o inicio da década de 1990 com o alemão Lothar Matheus e consagrada em 1994 com o nosso Dunga, praticamente foi abolida a figura do jogador de pequeno porte físico. Nos dias atuais, a gente cansa de ouvir entrevistas de técnicos, sob a concordância de jornalistas especializados, que o futebol moderno exige “intensidade”.
“Intensidade”, leia-se, uma versão educada para o termo brucutu. Não é incomum preferir-se um brucutu em vez do jogador técnico mas franzino. Dizem os especialistas que jogadores franzinos não aguentam o tranco, os choques com os jogadores de defesa e meio-campo, verdadeiros gladiadores, massas de músculos potentes.
Para o bem o nosso esporte do coração, parece-nos que é justo dizer que Messi alterou esse paradigma. Hora de decretar, ao menos por uns poucos dias, o fim das “equipes de resultados”, ou seja, onde o que importa é ganhar, mesmo jogando feio. Lionel contrariou: pequeno, miúdo, de aparência de certo modo frágil – em comparação com os brucutus – nem parece um atleta: com a bola colada a seus pés, desfila nas arenas como um moderno Carlitos. Os pobres beques
nem tem oportunidade de usar o físico, pois não conseguem achá-lo em campo. Batem cabeça enquanto ele escapa livre ou toca para um companheiro melhor colocado. Não à toa é chamado La Pulga. Poderia ser Chaplin!
Além do título para a Argentina, a genialidade de Messi deu outro presente, este para o mundo: a esperança renascida de uma agora provável volta do talento aos campos de futebol. La Pulga provou ser possível.

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