NOSSAS MENINAS NO CENTRO DO MUNDO

Sapatinhos de pelúcia? De cristal? Modelos do quadro Rosa & Azul, de Renoir?
Nada disso – penso eu. Embora gostem de ser tratadas com extrema gentileza e cavalheirismo, nossas Meninas na Copa fizeram a opção de entrar no coração do poder masculino e lá cravarem sua bandeira de emancipação. Deixaram de ser enfeites para o deleite masculino para tomarem rédeas de situações. Em vez de lacinhos nos sapatinhos de cristal, ganham manchas rôxas nas canelas, especialmente quando jogam contra uruguaias e argentinas… O que acontece no futebol reflete o que acontece no mundo, na vida em geral.
Alguém tinha alguma dúvida a respeito da natureza do futebol como um ambiente de domínio exclusivamente masculino? Não vou citar nomes para não cultivar polemicas bestas e fora de contexto, mas cansei de ver técnicos de futebol de times grandes esnobarem, fazerem pouco caso de mulheres repórteres que corajosamente participavam de entrevistas coletivas. Marrentos ou grosseiros mesmo, respondiam com ironia, exibindo aquela conhecida cara de pouco caso “…só podia ser pergunta de mulher mesmo!” Mas em pouco tempo, pouquíssimo, as mulheres avançaram, não em passinhos curtos mas em saltos monumentais e hoje são vistas nas transmissões esportivas de forma tão comum, corriqueira, como se lá estivessem desde sempre, nas transmissões. Quando, nas transmissões ouvimos expressões de caráter sexistas, acontece de nos indignar com isso, o que não acontecia antes. Não nos enganemos, entretanto. O machismo e o sexismo continuam presentes no futebol e na vida, mas hoje em dia, pelos menos quem assim pensa, ao menos tem a inteligência de ficar quieto, embora vez ou outra um marmanjo desavisado solte, ainda, algumas pérolas, logo a seguir retratadas. Tudo bem, é assim mesmo, é um processo… Engolir o que disse faz parte… do processo!
A luta de afirmação das mulheres em universos onde predominava o masculino não é de hoje. Lembrando ainda de Kathrine Switzer, a mulher que correu pela primeira vez a Maratona de Boston disfarçada de homem, despertando a fúria de um dos organizadores que quis expulsá-la da prova a socos e pontapés… Pensando bem, nada de estranho nisso, pois a estupidez nos acompanha até hoje: o mesmo negacionismo que ainda hoje nos assombra, negando a ciência, afirmava naqueles tempos que se mulher corresse iria crescer bigode, perder o útero e falar grosso.
Nossas meninas entrarão em campo sob o olhar encantado do mundo que se voltará para apreciar a Copa da terra dos Cangurus; nossas meninas não precisarão usar o artificio de Maria Quitéria de Jesus (1792 – 1853), heroína da guerra de independência do Brasil que nos combates se vestia de homem. Maria Quitéria é a nossa Boudicca, a Rainha Guerreira, heroína bretã. Quer dizer, Boudicca é a Maria Quitéria deles.
Nossas meninas nada receberam de graça. Se impuseram, como Maria Bonita (Maria Déia, que não era chamada “Bonita”), a cangaceira que obrigou Lampião a mudar seus conceitos e aceitar mulher no bando. Se impuseram na raça. Algumas vezes sem tanta delicadeza – porém, com muita ternura, sempre!

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