ESTRÉIA DO BRASIL: LIÇÕES DO FUTEBOL PARA A VIDA

UM DIA muito esperado pela nação futebol: estréia da Seleção Brasileira, nossas meninas no Centro do palco e do mundo: breves reflexos desta longa caminhada.
É sabido por todos e todas que no país do futebol, mulheres eram proibidas de jogar futebol, mesmo que eventos evolvendo mulheres-jogadoras tenham sido registrados desde meados dos anos 1920… como atração circense! De modo geral, pura e simplesmente proibidas da prática. Porque eram proibidas, nunca foi claro a não ser que por mero capricho do patriarcalismo: é assim e pronto!
Porque o Patriarcado não admitia futebol praticado por mulheres? Medo de uma possibilidade de igualdade? Teria a ver com a distribuição de tarefas entre homens e mulheres, ainda hoje em voga em muitos rincões? Tais distribuição de tarefas, entre gêneros, colocaria de um lado as mulheres num mundo de delicadezas e do outro homens num mundo que seria o oposto disso – sei lá que nome se daria a isso! Tarefas rústicas, “indelicadas”? Quem e como se definiria isso? Tenho a impressão que tais respostas só podem ser encontradas na profunda psiquê da alma humana: talvez a mesma razão (desrazão) que impõe proibições pura e simples para mulheres exercerem atividades corriqueiras como estudar, dirigir automóveis ou colocar a roupa que quiser. Coroando o cerceamento, uma submissão total e absoluta aos homens, sejam pais, irmãos, maridos. Em alguns lugares a simples suspeita de ato ilícito por parte da mulher permite ao marido o supremo castigo do apedrejamento.
Felizmente – ufa! – são coisas que acontecem bem longe de nós! No nosso mundo, mulher manda e desmanda, prende e manda soltar! Feminicidios, sexismos y otras mazelas ocorrem aos outros, bem longe de nós! É verdade que até 1979 mulheres eram proibidas por lei de praticar futebol, mas isso é mero detalhe. A Lei foi revogada por conta da contradição explícita, não pela racionalidade. De modo geral, a realidade era muito diferente. Basta lembrar a famosa tese do crime “em defesa da honra” conforme formulou o jurista Evandro de Lins e Silva! E isso porque ele era um arauto da democracia! Imagine se não fosse…

Desde que a Lei que proibia mulheres de jogar bola foi revogada, muita coisa aconteceu. Mais de 40 anos depois podemos afirmar que a entrada das mulheres nessa modalidade esportiva causou revoluções. Nas próprias praticantes, suas famílias, na sociedade como um todo. Evoluíram de um amadorismo recreativo para o rigor do profissionalismo.
Foi nítida a evolução desde o brilho eficiente da pioneira Formiga. E nos anos seguintes, com o surgimento do fenômeno Marta, todas as nossas esperanças se fundamentavam nessa Marta-Dependência, um fardo descabido que nem a Pelé suportaria, pois durante seu reinado absoluto sempre se cercou de companheiro quase tão talentosos quanto ele, seja no Santos ou na Seleção. E durante os anos Marta, todas as grandes disputas das quais o Brasil participava, todas as esperanças e expectativas amontoavam-se sobre os ombros de Marta, que nem sua personalidade férrea dava conta, não por falta de empenho ou talento, mas porque futebol – feminino ou masculino -, é conjunto, é coletivo.
No dia de hoje, 24-07-2023, tivemos o luxo de ter a Rainha Marta no banco de reservas. E uma nova geração aparece preparadíssima a tomar as rédeas da missão de levar a seleção brasileira aos píncaros da glória! Podem dizer que as adversárias de hoje – a estreante Panamá – não apresentou muita dificuldade, mas o Brasil fez sua parte (ao contrário da França, que empatou com a Jamaica). O que o futebol feminino está mostrando é outra forma de disputa, sem violência, catimba, sem pressão na arbitragem, prevalecendo a lealdade e esportividade, em lugar da vitória a qualquer preço. Não vejo como conciliar o jogo lúdico com a obrigação da vitória a qualquer preço.
Essa nova geração pode ser simbolizada na incrível Ary Borges, autora de três gols e passe para outro. E a presença sóbria e elegante de Pia Sundhage, certamente a melhor técnica em atividade que não precisa dar chiliques na beira do gramado para ser compreendida ou chamar a atenção. Se ganharmos, não será a vitória da Marta ou da Pia, mas do conjunto: eis o principal legado de Pia e suas comandadas para o futebol brasileiro feminino e masculino – sendo que esse último anda batendo cabeça, não obstante as fabulosas quantias de dinheiro envolvidas. Sejamos francos: sejamos nós, machos irredutíveis, humildes o bastante para tomar o estilo de disputa das meninas como exemplo, sem medo de ser feliz. Quero dizer que uma eventual vitória das meninas, fortalecerá a ideia da importância do coletivo e do quão pode ser danosa a má influência de estrelas ególatras.
A conquista ideal é aquela onde não existam heróis individuais e sim coletivos. O abraço coletivo e os sorrisos puros, as explosões de alegria incontida, diz muito! A força da solidariedade, da fraternidade, da construção coletiva. O velho e conhecido apanágio a união faz a força!
“Até mesmo a luz, em si mesma se perde .”
(Octávio Paz)
Clarice Linspector , durante a construção de suas obras costumava separar passagens brilhantes de seus textos para retrabalhar ou até mesmo suprimir. Motivo? Excesso de brilho, que poderia ofuscar o conjunto da obra… Experiências e lições do futebol e da literatura. Para a vida.

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