A FINAL

A Final da Copa do Catar entre França e Argentina, indesejável duplamente para nós brasileiros, atingiu uma dimensão que acelera e ultrapassa todos os motivos comezinhos que a principio nos motivavam: porque não foi uma final de Copa do Mundo, foi uma obra de arte.
Uma obra de arte curiosamente ocorrida num dos cenários mais improváveis: num deserto, onde prospera um estranho (do nosso ponto de vista) capitalismo de sultanato. (O que, por sua vez e mais uma vez, ressalta o caráter do futebol que passou de atividade lúdica e outras vezes lírica, para um meganegócio de dimensões planetárias: os patrocínios, as transmissões, o Espetáculo, a UEFA, o Número Um, a divindade temporária, irradiante de brilho num mundo de fantasia, o símbolo máximo do Meganegócio do futebol Europeu. Tanta grana e tanta gana que jorra até no deserto).
Foi na improvável Copa do Deserto que aconteceu a mais incrível final de Copa do Mundo de que temos notícia: foi uma inesperada obra de arte com todos os ingredientes de que só a Arte superior é capaz de produzir: teatro, cinema, drama, dança, música, comédia, poesia. Tudo cabendo num mesmo balcão, a arte aristocrática e a arte popular.
Vi e ouvi pessoas de muitas idades, entre eles experientes jornalistas, afirmarem: “nunca vi uma coisa dessas!”
Faço coro: nunca vi coisa parecida. Espero que não tenha sido a melhor de todos os tempos, pois o melhor sempre está para vir. Num jogo onde as equipes ainda se estudavam, prometendo um embate onde cada centímetro quadrado do campo seria disputado, a Argentina ganhou um pênalti legítimo, fruto da ingenuidade do defensor francês e do oportunismo de Di Maria, o atacante argentino que pedia aos céus que algo ou alguém tocasse suas pernas para ele desabar cinematograficamente. Não deu outra. Mas se fosse arbitragem brasileira não marcaria, o que aumentaria uns graus mais a nossa rivalidade com eles. Mal se refaziam os franceses do direto no queixo, pouco depois viria o segundo gol com o mesmo Di Maria, agora definitivamente candidato a herói nacional depois Carlos Gardel e Maradona.
Tudo parecia previsto e sem graça. O resto do jogo seria uma sonolência só e eu já buscava o que fazer depois do tempo regulamentar de 90 minutos… Assim terminou o primeiro tempo, assim previa o segundo: barbada! fala sério: ver argentino ganhar é irritante! Que quadro se desenhava, frustrante para os aturdidos franceses, tranquilo para os argentinos.
Viria o segundo tempo. Como previsto, protocolar, sonolento. Os argentinos nem se deram ao trabalho de usar a conhecida e velha catimba, pontuada por bordoadas que eles sabem fazer muito bem. Tudo tão fácil. A França estava que dava dó: se perguntassem a eles que cor era a bola, não chegariam a uma hipótese conclusiva… Uns diriam rosa, outros marrom, outros perguntariam “que bola!?
Argentinos deitando e rolando, de queixo erguido, esnobando os desesperados franceses que nem sabiam onde estavam. Mas a mitologia do futebol é pródiga em armar surpresas. Era evidente, que vendo os franceses dar murros em pontas de faca, mesmo assim desconfiava-se de que se fizessem um gol…, um golzinho e tudo poderia mudar…
E assim foi: um pênalti descuidado, bobo, fruto da soberba: Mbappé, que até então não tinha feito nada, bateu e fez. E como desgraça pouca é bobagem, poucos minutos depois, Mbappé, sem marcação não perdoou, empatou e o passeio argentino desenhou-se tragédia: quando a bola era alçada na área portenha, era um Deus nos acuda. Terminou o tempo normal e veio a prorrogação: gol chorado faltando 4 minutos e quando os Hermanos ensaiavam a festa, outro pênalti bobo. MBappé, que não tinha feito nada, faria o seu terceiro gol. Numa final! Esse cara, MBappé, quem quiser tira sarro dele agora, que está baqueado. É daqueles que se provocado, responde em campo, como fazia o Rei Pelé… Três gols numa final!
Nenhum diretor cinematográfico ou de novela mexicana bolaria um dramalhão urdido de tal forma. Eu cá, nervosamente torcendo por la unidad de latino américa e vendo a vaquinha que prometera livrar a honra do nosso sofrido continente, atolada no brejo. Cobrança de pênaltis! Ninguém merece, nem franceses nem argentinos. Aparentemente, os franceses estariam melhor psicologicamente, mas, futebol não é matemática. Diante do pênalti, quem tem mais medo? O goleiro ou o atacante? Quem é o carrasco?

O desenlace, sabemos e muito vai se falar nos próximos tempos. Caras de espanto e de alegria. MBappé e Messi, colegas de clube, num mesmo campo em situações opostas. MBappé andou dando bom dia a cavalo, falou bobagens, teve de engolir em seco, mas foi o artilheiro da Copa e tem um futuro brilhante. Mas, falar da superioridade europeia sobre a América do Sul? Podia ter ficado sem essa! Mas o futebol tem coisas que nem sempre a lógica cartesiana consegue explicar.

No desfecho da festa, a paixão cega toma conta até dos brasileiros, entusiasmados com o feito extraordinário de nossos Hermanos e de Messi, a Pulga. Alguém escreveu que Messi é o maior futebolista da Galáxia nos últimos 50 anos! Que Messi superou Maradona e Pelé! Messi, o maior de todos!
Comparações absurdas são retomadas e não adiante buscar a luz da razão, pois isso não combina com o futebol. Não combina conosco. Não combina com torcida nenhuma! Messi tem seu momento de coroação e o merece. Mas se a Argentina não tivesse ficado com o caneco da FIFA…, MBappé seria o “cara” e Lionel seria lembrado por suas falhas, que o segundo gol francês veio de uma falha sua. Mas os deuses foram generosos com ele, escreveram certo: não seria aquele que disputou 5 copas e não ganhou nenhuma; não seria mais um gênio sem copa, como foi Puskas, Cruyff, Eusébio, Zico, Falcão, Socrates, chega de injustiça…
Essa foi a copa de Messi, mas poderia ter sido de MBappé, de Modric ou do coletivo do Marrocos. Nas mãos e nos pés de Messi, ficou de bom tamanho. Por la Unidad Latino América…

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