Teremos vida e isso basta

Faltava uma semana para o início da Copa do Mundo Feminina de Futebol da Austrália/Nova Zelândia e eu, ainda, estava pensando em alguma coisa diferente para acompanhar os jogos.
Por exemplo, alugar pousada bacana em Campos do Jordão, aproveitando o inverno. Levantaríamos bem cedo e tomaríamos delicioso café colonial vendo as meninas lutarem rumo ao título de campeãs do mundo.
A Fernanda chegou a me dar um toque: “se quiser, posso ver hotel ou pousada em alguma cidade serrana do Rio”. Quem sabe? Podia ser boa opção. Depois, pensei: a grana anda curta, melhor escolher programa mais modesto. Um hotel-fazenda aqui mesmo em Campinas ou chácara alugada para os dias de jogos da seleção.
Liguei pro Joca, parceiro da Copa da França, em 2019, mas ele estava em São Miguel do Gostoso, Rio Grande do Norte, a cidade mais deliciosa que jamais conheci. Se encantou com uma potiguar algumas semanas atrás, a Mariana, e viajou para conhecer a família dela. Estava tão feliz que nem avisou os amigos e saiu à francesa.
O Matogrosso está cuidando da mãe doente e, mãe, a gente sabe, só tem uma e ele precisa, mesmo, se dedicar a ela neste momento delicado. Acionei o Maurício, mas ele está correndo com o lançamento do novo livro, de contos, que eu já li (lindo!), e com mudanças diversas na vida. Avisei que estarei no lançamento e lhe desejei boa sorte nas mudanças.
Chamei o Heitor no zap, nada. No FB, no Instagran, no Twiter, no e-mal, no celular. Sumiu. Há tempos queria comentar com ele o documentário da maravilhosa Nina Simone – ela que me estimulou anos atrás a acreditar na vida cantando “Ain’t got no/I Got Life”, com determinação de comover o mais cético dos humanos. Depois de listar as muitas coisas que ela não tem, diz: “eu tenho vida e isso ninguém pode tirar de mim”.
Os dias passaram e, de repente, chegou a Copa inaugurada tristemente com um atentado perpetrado por um desses sujeitos que amam odiar a vida deles e a dos outros, gente que desconhece a luz, que se alimenta de sombras e quer, como os vilões das HQs, destruir o mundo. Minha pergunta inquietante sempre é a mesma: destrói o mundo e sobra o quê pra ele?
E foi assim, minha abertura da Copa da Austrália/Nova Zelândia. Pera aí! Foi assim, vírgula, passado (que ficou lá no passado), mas não vai ser assim.
Decidi ficar em casa mesmo. É um apartamento pequeno. Não tem lareira, não tem vista pro mar, não tem sofás imensos, camas com vinte travesseiros, nem campo de golfe ou passeio de cavalos de raça nem aqueles cafés que a gente passa a manhã inteira tomando.
Combinei com a Débora e vamos receber novos amigos aqui em casa para a estreia do Brasil na Copa, na próxima segunda, contra o Panamá, às oito horas em ponto. O Bruno vai trazer cervejas artesanais e ainda convenceu a Débora a tomá-las. “São novos sabores, novos aromas, novas texturas. Vamos? Experimente”! E ela topou provar essas novidades todas.
E a Kátia, acostumada a vinhos chilenos, resolveu provar uns argentinos e sul-africanos. Novidades também para ela. Eu, que não posso tomar álcool, vou comprar uns chás diferentes, vindo de outras procedências, da Malásia e do Tibete, para degustá-los com os pães de abobrinha que uma tia me ensinou e eu nunca fiz.
Vai ser bom. Estou certo que sim. Teremos um dia de céu azul límpido comum ao inverno de Campinas e sol claro e lindo para nos aquecer do frio. E, claro, teremos animação para torcer pelas meninas. Elas vão vencer o jogo e ganhar motivação para os confrontos mais difíceis, obstáculos que, às vezes, imaginamos como impossíveis de superar.
Parece pouco? É muito. Para elas que estarão em campo em busca de um sonho e para nós, torcedores com nossos cotidianos cheios de coisas boas e nem tão boas assim. Mas teremos muita, muita vida. O que nos basta e nos anima porque isso ninguém poderá tirar de nós.

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