A nossa melhor torcida do mundo.

Tem o chute dado de bico e tem a cavadinha; tem o chute de calcanhar, de bicicleta, e tem o chute de letra. Tem aquele que vai alto, aquele que corre rasteiro e se a gente observar bem, tem o chute meio por acaso, meio sem querer, aquele chute feito de raspão, a bola na linha do gol.

O futebol tem o chute e para cada chute do futebol existe uma torcida.

Quando não está na arquibancada pronto para explodir o ar num grito de gol, o torcedor é um tipo que surge de bate-pronto em qualquer lugar, é só a gente olhar para o lado e ele está lá, jogando miúdo na cozinha, as canecas decoradas com as cores do seu time, taí a paixão, que também está no guarda-roupas, nas toalhas de banho e de rosto, ali no jogo de cama. Na Copa do Mundo o torcedor se veste dos números e dos nomes em camisas que dizem dos atletas, dos ídolos.

Pois veja, meu bem, ainda não é jogo da Copa, o meu roupão bem ali, ao lado do seu, este confronto direto dia após dia nos ganchos da parede do banheiro. Não fique assim, você sabe, o dérbi é no tête-à-tête e me desculpe, meu bem, se nesta peleja meu time está colocando três em cima do seu. Mas venha, sente-se aqui ao meu lado, o quê?, vai trocar o canal?, como assim?, meu querido, estamos nessa para o que der e vier, para os altos e baixos – foi pênalti? – na saúde e na doença. Será que neste ano vai dar Brasil?

Só que o futebol não é feito apenas dessa torcida que está fora de campo, sentada no sofá, fazendo bolão com os amigos ou gritando para qualquer um sumir da frente da tevê, sai daí, sai logo, vai, passa, xô, criando mandinga, contabilizando estatísticas.

O futebol tem a torcida de dentro dos gramados, lê, lê lê ô, uma torcida que joga junto, faz onda; uma torcida que quando se levanta aproveita para fazer o melhor lançamento em profundidade da partida: solta seu grito, um auê, aquele vamos lá, ah, eu tô maluco, ou vaia a cabeça de quem está com a bola no pé, uhh, volta pra casa, mané, aqui não tem ninguém de brincadeira, não, quer moleza?, pisa na jabuticaba.

Torcida é assim, tem todo esse lance.

Tem torcida que tira a camisa, que é show de bola. Mas do outro lado, fazendo gol contra, tem torcida pronta para levar cartão vermelho e que, aqui, nem vale a linha, sequer existir, por todas as vezes que a arena já se transformou num campo de guerra, você viu?, aquele garoto morto aos dezesseis, ele poderia ser o nosso filho, amor; uma criança, amor; onde tudo isso vai parar, meu deus!

Nos estádios tem bandeira que é preciso levantar.

Hoje nos estádios a torcida é de um time só, nada parecido com a Copa do mundo, né, amor? Em qualquer país que a copa aconteça, mesmo longe, mesmo a milhares de quilômetros de distância e com os nossos traseiros grudados no sofá, é bonito ver aquele povo diferente e misturado, o verde e amarelo, o azul e branco, o azul-branco-vermelho, todas as cores nos rostos, nas perucas, nos mantos, as pessoas de todo o mundo ao lado uma da outra, meu abraço no seu abraço, aquele beijo entre adversários, os mantras, as rezas, ele e ela, ele com ele, ela com ela, todos torcendo pelo gol de escanteio, pelo drible, o olé, por aquele chute dado aos quarenta e oito do segundo tempo, você viu aquilo?, vai levar a bola de ouro, certeza.

A nossa melhor torcida do mundo.

Vamos, amor, o jogo já vai começar e os vizinhos estão esperando. Pegou sua camisa? Disseram que vai ter chucrute, ai, amor, tomara que a gente não tome outros sete.

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