Madalena

Eu confesso: fui criado como e, fui machista! Até, que duas coisas aconteceram em minha vida e me fizeram rever conceitos: Madalena e ser pai de meninas. Eu era um desses homens que tinham reservas quanto ao papel das mulheres nos esportes e quiçá, na sociedade. Isso diminuiu muito, felizmente, e ainda estou em processo de melhoria de conceitos e relativizações. Parte do amadurecimento, acredito. Ainda bem!
Bom, mas vamos ao que interessa, o título dessa despretensiosa croniqueta, que talvez não faça jus ao prestigioso blog onde deverá encontrar um singelo cantinho. (muitos adjetivos eu sei, manual, manual, onde estás perdido?) Éramos moleques normais, interior do Estado de São Paulo, com muito tempo livre e muita vida e sonhos pela frente. Qualquer terreno vazio, ou baldio, nos servia de palco para demonstrarmos nossas habilidades como futebolistas. Alguns até suspeito, nutriam sonhos de serem futuros astros de nossa então prestigiada seleção canarinho. Doce ilusão. Mas, enfim, jogávamos muito. Ou pouco, de acordo com o critério utilizado. Muito em quantidade, quase nada em qualidade. Ainda bem que não haviam inventado as câmeras embutidas nos celulares para eternizar nossas pataquadas.
Sem mais delongas, agora, prometo. Entre nós, colegas jogadores, havia o Peralta. Sim, o Peralta era um pernambucano arretado que havia se mudado para nosso bairro há poucos meses e que gostava de jogar bola, como gostava! Rapidamente juntou-se ao nosso grupo e, apesar das inevitáveis gozações com seu sonoro sotaque nordestino, o que importava é que o Peralta, para nossos modestos padrões, era craque! Jogava muito o rapaz. Teria então uns dezoito anos, se tanto, o fino bigodinho confundia sua real idade. Pelo que me lembro, trabalhava em obras e era delgado como um fio de fibra ótica e tão denso quanto. Levei anos para começar a entender aquela figura fascinante, mas agora o que importa não é o Peralta e sim, Madalena!
Um belo dia de sábado, Peralta, meio constrangido, me chamou de lado e disse:
— Menino! Preciso lhe pedir um pequeno favor!
Eu retruquei:
— Diga Peralta, meu rei! (Me senti engraçado, mas percebi que a homenagem irônica não havia atingido seu objetivo, com o que me calei e tentei me concentrar no que seria o pedido.)
— Sabes, eu nunca te contei, mas tenho muié. A Madalena. E a bichinha não tá querendo me deixar jogar mais com vocês.
Surpreso, pois todos nós, sem exceção éramos adolescentes, incluindo o Peralta, e mal caminhávamos no caminho dos primeiros e incipientes namoros, respondi:
— Oxê! (Definitivamente não me dou bem em tentar emular pronúncias estrangeiras). Tu é casado é? Vixe Maria!
Obviamente aquele não era o ponto importante do pedido e, subitamente, me calei e deixei o Peralta continuar.
— Pois é. Embuchou, sabe né? O pior é que nem vingou. Bom, ela disse que eu não posso mais vir jogar aqui mais vocês a menos que…
— A menos que?
Encabulado, Peralta hesitou um momento antes de prosseguir:
— A menos que ela venha também!
— Oras, Peralta! Claro que ela pode vir. Tem aqueles bancos, tem até algumas cadeiras aqui. Ela pode ficar na sombra, às vezes outras meninas vêm assistir e papear.
— Tu não entendeste, bichinho. Ela quer vir jogar também!
Ai ai ai ai. Essa era nova. Lembrem-se, estamos em meados dos anos setenta. Mulheres simplesmente NÂO sabiam jogar bola. Eu disse que iria consultar os outros. Estes, entre irônicos e sarcásticos disseram: “deixa vir, fazer o que! Melhor que perder o nosso craque”, e entre muitas risadas e piadinhas machistas, ficou acertado que no próximo sábado teríamos a presença da senhora Peralta.
Então. As coisas não aconteceram como a gente previa. Madalena era muito melhor que todos nós jogando bola. Melhor ainda que o Peralta. Colocamos ela no gol no primeiro dia e ela agarrou tudo. Depois foi para a linha. Fazia mesmo uma linha de adversários caídos e abatidos atrás de si. Ela era obstinada, não gostava de perder. Nos trazia bolinhos e quitutes, nos conquistou a todos com sua simpatia, feminilidade e habilidade com a bola. Nos deu uma lição de humildade que todos nós carregamos até hoje: lugar de mulher é onde ela quiser. E assim, vamos torcer pela nossa seleção feminina de futebol que é muito melhor que a masculina! E viva Madalenas!