TODA VERDADE E TODA MENTIRA SOBRE A COPA

Todo homem possui o sagrado direito de torcer pelo Vasco na arquibancada do Flamengo.
Este mandamento, que devia ser o primeiro do futebol e do mundo, foi escrito por Deus, ou seja: Millôr Fernandes. Mas quase nunca é seguido, como quase todo mandamento. Ele manda, manda bem, mas ninguém segue. E enquanto alguns bilhões de pessoas assistem Argentina x França e acreditam fielmente no que veem e ouvem, eu, meu parceiro e cronista Alexandre Brandão – o Poeta de Passos, e ainda o Feola, meu fiel cachorro vira-latas que tem complexo de gente, descobrimos toda a trama que envolveu a final da Copa de 2022, no Catar.
1 – A POLÍCIA DO EMIR
Os gritos ecoavam pelo Palácio Real:
– A Alemanha desclassificada na primeira fase! Marrocos em quarto lugarl! Messi e Mbappé fazendo o duelo do século! E vocês não conseguem nem prender dois escritorezinhos do Brasil e um cachorro! Imbecis! Incompetentes!
Era o Emir esculhambando sua Polícia. Então eles resolveram dar seu golpe de mestre.
O mundo se preparando para assistir a final da Copa e vem a notícia-bomba: Messi e Mbappé estão fora da final! Mbappé comeu uma marseillaise no jantar e teve uma indigestão. E Messi acordou com fortes dores no ushuaia e precisou fazer uma cirurgia de emergência para retirada da bombonera.
A verdade é que há uma grande mentira: o plano para destruir a final da Copa, traçado pelo Emir em pessoa. Se é que se pode chamar aquilo de pessoa. Mbappé e Messi foram sequestrados pela Polícia do Emir e dois sósias colocados em seu lugar. Mas ninguém sabe.
Ou quase ninguém. Eu, Alexandre e Feola descobrimos o plano. Tudo nos foi revelado por uma das mulheres do Emir, Ayra, a centésima. “Meu nome significa Aquela Que Não Tem Dono, e eu vou provar isso àquele estúpido, que se acha o tal, mas pensa que clitóris é um vegetal que nasce no deserto.”
Messi e Mbappé foram trancafiados no harém do Emir. E esse foi o grande erro: acreditar que mulheres não são capazes de nada. Lideradas por Ayra, a mulherada nos avisou de tudo. Antes do início da partida, Ayra, Alexandre, Feola e eu conseguimos nos infiltrar na Sala de Imprensa do Estádio Lusail, onde acontece a final, disfarçados de vendedores de paçoca, um alimento típico do Katar, para revelar a farsa da Final ao mundo, usando o velho truque da vendedora de paçoca sedutora. De posse da aparelhagem de som do estádio, Ayra anunciou em árabe:
– A Suderj informa…
2 – A CIA e a KGB
Blecaute no estádio. A aparelhagem de som desligada. Pelo lado direito da sala entra um grupo de agentes da KGB e declara: a farsa acabou! Pelo lado esquerdo da sala entra um grupo de Agentes da CIA e declara a mesma coisa. Os grupos começam a discutir: eu já falei isso! Eu que já falei isso! Não, eu que falei que falei! Não, eu já tinha dito! Mas eu já disse que já tinha dito. Nesse momento, entra na Sala a Polícia do Emir e começa a dar chibatadas nos Agentes. Os dois grupos de Agentes apontam um para o outro e declaram: vocês têm que dar chibatadas é neles! É o que estamos fazendo, berra a Polícia do Emir. Ayra, Alexandre, Feola e eu fugimos, sem conseguir revelar toda a verdade de toda a mentira da Copa. E agora temos a Polícia do Emir em nosso encalço.
3 – A Fuga
Ayra desce do seu camelo e eu desço do meu. Olhos nos olhos, entrelaçamos as mãos e eu digo: nós sempre teremos Paris! Quando vamos nos beijar, Feola late e Alexandre grita: olha a Polícia do Emir aí, gente!
Tudo isso tinha começado na rodoviária de Doha, para onde fomos ao fugir da Sala de Imprensa do Estádio. Roubamos quatro camelos para nossa fuga. E antes do beijo que mataria de inveja Humphrey Bogart, se ele já não estivesse morto, é claro, nos separamos.
Alexandre, eu e Feola não sabíamos para onde ir e ainda por cima andávamos sem rumo. Foi quando se aproximou de nós um vendedor de paçoca árabe, enorme de alto. Na verdade alto demais para ser árabe ou vendedor de paçoca. Ele cochichou em inglês: comprem uma paçoca e sigam-me, se quiserem escapar com vida. Nós obedecemos, mesmo com Feola rosnando para o vendedor. Ele nos levou por ruelas estreitas. É bom explicar que aqui em Doha as ruelas estreitas são mais largas que a Via Dutra. Finalmente paramos no portão de uma mansão com um singelo letreiro: GJKPFRXZNMJHLJDLJZBRFQTRBMNU
O vendedor de paçoca nos empurrou para dentro. Dois guardas se aproximaram, apontando armas. O vendedor então tira o capuz. Eu e Alexandre berramos ao mesmo tempo:
– Lewandowski!
Sim, era o craque polonês. Estávamos na embaixada de seu país, sãos e salvos. Ali conseguimos asilo político e voamos para Varsóvia. Longe das chibatadas e perto da melhor vodka do mundo. Enquanto Alexandre e eu tomamos umas e Feola gane à nossa volta pedindo golinhos, me lembro da última imagem que vi, da janela da embaixada polonesa, em Doha: Messi, o verdadeiro, montado num camelo, com a Copa do Mundo na mão. Atrás dele, em outro camelo, envolta em véus esvoaçantes, Ayra, aquela que não tem dono.
E agora, que tudo está bem, eu e Alexandre decidimos não voltar para o Brasil. Largamos a crônica esportiva, viramos empresários e, com a ajuda de Lewandowski, que se aposentou do futebol, montamos o melhor negócio do mundo: uma fábrica de vogais aqui na Polônia. E como eles dizem no café da manhã:
xbgrpqhjkplsstrrrbnsffjhqzxmnbçlkja.
Ou seja: que auê!

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