“Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola. A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakesperiana.”
Assim falou a Flor de Obsessão chamada Nelson Rodrigues. E essa misteriosa complexidade continua mesmo com a Copa acabada e decidida. Neymar, por exemplo, já se aproxima de sua última queda: cair no esquecimento.
Com a derrota do Brasil, Marcelo Adnet teve um surto e passou a acreditar que realmente é o Galvão Bueno. Faz a imitação 24 horas por dia. À noite vai pro prédio do Galvão e quer subir para o apartamento. Além do porteiro, o Condomínio deixou um psiquiatra de plantão na portaria, para acalmar o humorista.
E se vocês acham que o Galvão-Adnet está com problemas é porque não sabem o destino do Galvão verdadeiro. Adnet falsificou seus documentos e passou na Alfândega de Doha como se fosse o verdadeiro Galvão. Já o Galvão mesmo foi detido pela Polícia do Emir como falsificador e está preso nas masmorras do Palácio. Toda manhã ele grita: Eu sou o verdadeiro Galvão! Sou eu! Só para quando a Polícia do Emir chega para lhe dar 200 chibatadas.
Mas a verdade é que a Copa acabou, vamos esquecer a Copa. A Fifa só pensa na Copa de 2026, que vai ser em três países e com 48 seleções. E na Copa de 2030 vai ter até sorteio de vaga pela Loteria Federal. Mas, com um pouco de atenção, podemos perceber que a Fifa prestou dois grandes favores ao mundo: Mostrar que existem países como o Katar, que preservam as tradições mais fortes da humanidade, que são a escravidão, a mulher como ser inferior e a homossexualidade como doença. Aprendemos também que, pior do que países como o Qatar, só mesmo empresas como a Fifa.
Aprendemos muitas coisas. Por exemplo, somos uma das poucas espécies que possui polegar opositor. Mas preferimos deixar isso pra lá e inventar um esporte que se joga com pé. Só quem gosta de polegar opositor é um outro ser estranho chamado goleiro.
Aprendemos muitas coisas, Alexandre, Feola e eu. E agora já estamos instalados nas nossas poltronas para voltar ao Brasil. Houve um problema, quando sentamos em nossos lugares na classe econômica. O comissário veio nos dizer que Feola não podia viajar ali. Já íamos criar um caso, mas ele explicou que, no Qatar, cachorros só viajam de primeira classe. A econômica é reservada para pobres e mulheres. Fomos obrigados a nos mudar. Feola abanou o rabo. Que falta de solidariedade.
Fiquei muito tempo pensando: o que vou levar de recordação do Catar? Por fim decidi: um punhado de areia. É a tradição mais digna desse lugar. Talvez coloque numa ampulheta e tenha o tempo para eu brincar na minha mão. Brincar de memória, que o tempo anda mais pra trás do que pra frente.
E brincando de memória, vou fazendo essa viagem de volta e lembrando das minhas Copas. A de 70 foi a cores ou em preto e branco? Já havia tecnologia para isso? Ora, que se dane a tecnologia. Como já sabia Nelson Rodrigues, desde o vídeo tape, a tecnologia é burra. Na minha tv a Copa de 70 foi toda a cores, graças a Felix, Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo e Gérson; Rivellino, Jairzinho, Tostão e Pelé.
Todos lutaram por uma bola. E venceram. A bola é um objeto, um planeta. Um verbo, com muitas formas de se conjugar. Eu, Alexandre e Feola, por exemplo, chegamos a um acordo e conjugamos assim:
Eu romário
Tu pelés
Ela maradona
Ele cristiana
Nós garrinchamos
Vós messis
Eles zidanem
Elas ronaldam
Agora estamos chegando ao Aeroporto do Galeão. Me despeço de vocês e aproveito para dedicar essas crônicas ao meu cachorro imaginário, o Feola, que até ficou curado de seu complexo de gente. E ao meu amigo real, verdadeiro, o Alexandre Brandão – o Poeta de Passos. Mas uma dúvida vamos levar para sempre: afinal, o nome desse paiseco é Catar, Katar ou Qatar?
E não se esqueçam: depois da Copa, vem o quarto de empregada. Mas esse ninguém vê.
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Cesar Cardoso
Carioca de 1955 e torcedor do Fluminense, comecei a acompanhar Copa do Mundo em 1962, aos sete anos. Fiquei apaixonado pelo nome de um país: Tcheco-Eslováquia! No jantar em família, declarei que ia torcer por ele. E tomei um esporro do meu pai: vai torcer pelo inimigo, sua besta? Foi a primeira crítica ao meu trabalho como comentarista esportivo. Mais tarde, escrevi no jornal O Pasquim, fazendo uma cobertura humorística da Copa de 1982. Aquela, que deu no Desastre do Sarriá, com a Itália ganhando da gente de 3 a 2, lembram? Não? É, é melhor esquecer mesmo. Falando em esquecer, ia esquecendo: sou cronista, contista, poeta, roteirista e autor de literatura infanto-juvenil, com mais de 20 livros publicados e mundialmente conhecido por toda a minha família. Desde que a pandemia começou, apresento nas redes o programa
digital Poesia Prato do Dia, onde falo e comento poemas, crônicas, contos etc (olha o link aí: https://www.youtube.com/user/cesarcar55).
E agora vamos à Copa do Mundo Feminina.
É a hora dos manu torcer pras mina!
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