O Capitão sobe aos céus

– Ué. Que lugar é esse?
– Não me diga que não sabe.
– Hein?! Que susto! Quem é você?
– Você pergunta isso desde o dia 21 de junho de 1970.
– D-desculpa, não me lembro.
– Claro que sim. Há meio século você se pergunta, afinal, quem levantou aquela bola.
– A bola?
– Aquela, com 12 gomos pentagonais e 20 hexagonais, pretos e brancos, que Pelé rolou para você com tanto carinho, na grama do Estádio Azteca.
– Aquele… chute… o 4° gol… No final da Copa do México?
– Sabia que você ia se lembrar. Muito prazer. Eu sou aquele que levantou aquela bola para você chutar.
– Como?
– Reveja o lance. Clodoaldo dribla um, dois, três, quatro italianos. Passa para Rivellino, que lança Jairzinho, que dribla mais um e entrega para Pelé. Este, homem meio aparentado do Dono de tudo isso aqui, com um olho nas costas sente sua aproximação. Vira-se e toca a bola rasteirinha, pedindo, implorando para ser chutada. Aí você aparece feito um raio para chutar – mas, um décimo de segundo antes, como por milagre, a bola sobe 1.8 centímetros.
– É mesmo. A bola deu uma levantadinha.
– Na altura exata para você pegar na veia. Pobre Albertosi. Não
teve a menor chance. Aquela rede estufando foi uma epifania.
– Esse tempo todo, achei que fosse um buraco na grama.
– Nada. Agora apresse-se. Vista essa camiseta com o número 4 às costas, as chuteiras, a pelada vai começar. Lá estão Di Stefano, Puskas, Garrincha, Cruyff, Maradona. Faltava o Capitão.
– Jesus do céu!
– Então. Eu ia falar mesmo sobre isso. Tenha paciência com o Moço, Ele é do seu time, se acha o dono da bola, fica filosofando demais em campo, mas faz uns gols meio espíritas, bonitos até, você vai ver. Enfim, não grite com Ele. E seja muito bem-vindo.
– Obrigado.
– Eu é que agradeço. Aquele gol foi o maior momento da minha vida, da eternidade, por todos os séculos e séculos.
– Quer dizer que esse é o Paraíso?
– Digamos que é um esboço, a gente chega lá. Paraíso foi o Estádio Azteca, naquela tarde de 21 de junho de 1970. Quando Pelé rolou a bola para você, rasteira, e eu, com uma levantadinha de gênio…

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