Copa em Santo Amaro

Reunidos numa ciranda, com o celular ao centro, foco dos nossos olhares e atenção, acompanhamos pela telinha mais uma partida do Brasil na Copa do Mundo. O aparelho é a única opção para que nós, os internados, vejamos o futebol. As macas-camas da enfermaria da Santa Casa de Misericórdia do Recife, hospital no bairro de Santo Amaro, são a nossa arquibancada e o público tem torcedores pró e contra o Brasil.

Alan se distrai do seu braço quebrado quando a seleção brasileira acerta um chute ao gol. Janderson se distrai de sua tíbia fraturada e vibra quando o goleiro croata quase deixa a bola balançar as redes. Gustavo celebra o ataque da seleção da Croácia e provoca a nossa torcida verde e amarela. Ver uma possível derrota do Brasil é o que o distrai de sua mão com ossos partidos. Ele vibra quando o juiz apita o fim do segundo tempo de Brasil 0x0 Croácia, pelas quartas de final da Copa do Qatar.

A prorrogação da partida é a prorrogação da distração e, enquanto o Brasil peleja por um gol para se classificar e, talvez, enfrentar a Argentina, na semifinal, eu me distraio do meu ombro arrebentado. O Brasil marca um gol, os pacientes torcedores comemoramos, Gustavo resmunga e eu paro, por alguns instantes, de pensar que o assaltante não levou apenas uma bicicleta, um celular e algum dinheiro; ele levou o meu ombro saudável e agora, talvez no próprio celular roubado, acompanha o jogo e grita o gol do Brasil.

A partida avança, parece que vai acabar bem para a nossa seleção, mas não acaba. A Croácia empata no finalzinho, Gustavo gargalha e o jogo vai para a disputa de pênaltis. O goleiro croata pega a primeira bola e a última cobrança canarinha termina no pé da trave direita. Croácia semifinalista.

Reclamamos meio incrédulos, meio desapontados. Gustavo, se pudesse, abriria uma cerveja semigelada, como é típico das cervejas recifenses, para mangar da gente e debochar da seleção brasileira. Um gole, mais dois, uma leve embriaguez. Antes que a zonzeira do álcool passe, voltamos aos nossos machucados.

Meu ombro segue partido, como partidos seguem braço, canela e dedos dos meus companheiros de internação. É o fim da nossa Copa do Mundo.

Recife. Dezembro, 2022.

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