O Odisseu marroquino

No jogo do Marrocos a defesa é uma arte que encontra no meia Sofyan Amrabat seu exímio mestre. À frente de uma linha de quatro ou cinco defensores, Amrabat descreve um contínuo vai-e-vem de um lado a outro do campo, ao mesmo tempo em que levemente arqueado lança seu olhar atento para as jogadas que se desenrolam nos espaços próximos. Invariavelmente avança bloqueando ataques, fazendo desarmes e recuperando a bola para contra ofensivas.

Marcado nas imagens por sua careca reluzente e pelo número quatro em sua camisa, eu o acompanho hipnotizado em seu incessante movimento naqueles 30 metros de campo. Em transe, imagino aquele marroquino de alma e coração comandando um barco em mar revolto, no Estreito de Gibraltar, com seus marujos remando incansavelmente, atravessando com coragem e total entrega cada peripécia nesta Odisséia, partida após partida, vencendo obstáculos cada vez maiores em sua travessia.

A Espanha foi vencida com a resistência dos bloqueios de espaço e os tiros certeiros nos pênaltis, como fosse um Ciclope enganado em sua soberba e golpeado certeiramente pela inteligência marroquina.

Portugal, como uma Cila com seus doze pés e seis cabeças, era um monstro de grandes jogadores habilidosos esperando jantar o Leão de Atlas. Foi superada pela disciplina da defesa que virou rapidamente ataque e deixou sua marca.

Ao final do jogo contra Portugal, vejo a imagem de Amrabat encontrando o técnico Walid Regragi, num longo e afetuoso abraço. Volto a imaginar Odisseu, agora com sua divindade Circe, agradecendo as orientações para mais uma travessia. O campo de jogo é como um estreito que se atravessa com nosso barco, teria dito a divindade à Amrabat, reforçando os ensinamentos. Mantenha-se no extremo mais seguro para nossa gente, na defesa, executando bloqueios rápidos e lançamentos com velocidade ao ataque, arrematando com golpes certeiros. Não ouça o canto das Sereias, não abandone nossa ponta do estreito. Permaneça guarnecendo a Bono. Se ficarmos querendo circular pelo campo adversário, seremos em algum momento tragados por Caríbdis, que suga a água três vezes por dia e dela nenhum mortal se salva.

Assim o Odisseu marroquino tem feito, junto com seus marujos, pensando em voltar para sua Ítaca. Voltarão com a taça? Quem sabe…. mas certamente terão muitas histórias para contar com orgulho e ensinamentos de sua linda jornada.

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