Uma grande fogueira

Queria respostas definitivas para as perguntas que me fiz depois do jogo contra a Croácia. Li e acompanhei inúmeras explicações antes de tentar escrever alguma coisa. Queria alguém mais especializado que pudesse reduzir o meu trabalho de pensar. Mais prático, tão prático como são as decisões que envolvem patrocínio e muito dinheiro no futebol. Não achei resposta nem nos assuntos que remetem a ouro na carne, nem nos salários hiperbólicos dos jogadores e comissão técnica. O que fiz foi colecionar mais dúvidas com tanta controvérsia e até superstição. Nunca maltrate um gato. Li textos que iam das críticas mais cruéis às sublimações das derrotas como lição. Resolvi pensar sem referências, meio no sentimento, quase como a associação livre da psicanálise.

Comecei por rever a cena a partir do meu sofá e dos meus olhos na tela da TV. Faltavam cinco minutos e bateu uma insegurança : “e se….”. Tentei apagar a ideia pessimista apertando uma almofada. Não deu certo e deve ter acontecido em milhares de outros sofás pelo Brasil. Então a bola caiu nos pés do Casemiro e aconteceu o contra-ataque com o gol fatal. Difícil acreditar. Daí só nos restavam os pênaltis e tratamos mal a última chance. Os últimos a bater deveriam ser os primeiros. Faltou cabeça fria, sobrou vaidade e quem sabe um goleiro milagroso. Triste e frustrante.

Queria falar que jogaram bonito, queria enaltecer o belo gol do Neymar, queria aquela sensação perdida de que ia dar certo, mas meu otimismo tomou um jato de água fria daqueles de caminhão pipa que lava rua e machuca gente. Gelou e doeu ao mesmo tempo. Achei por bem esquecer o vacilo ou a tragédia (não sei como chamar), mas um “quase verso” do Richarlison bateu forte : “ontem ainda dói…”. Queria que ele pudesse ter terminado o poema, que apresentou no primeiro jogo, numa final contra qualquer seleção, mas ficou uma obra inacabada. Queria todo mundo comemorando e até o mundo que não é Brasil e conhece nosso futebol e conhece o Pelé que merecia o Hexa como homenagem. Não deu. Ainda dá pra falar dos lances bonitos, mas a sexta-feira dói, como doem os tantos outros ontens que já tivemos.

Não dá pra esquecer o gol do Uruguai no Maracanã na final da Copa de 50, a Tragédia do Sarriá em 82 contra a Itália (com uma das nossas mais vibrantes seleções) , o mal-estar do Ronaldo na França em 98, o 7 a 1 no Mineirão e agora este gol da Croácia e os pênaltis desperdiçados.

E a gente achava que ia superar o 7 a 1 em 2018 e não conseguiu. Quanta derrota naquele ano! Dessa vez, pelo menos, temos uma vitória política para compensar e dar esperança de verdade. Um jogo de quatro anos para o qual a gente quer sim, a prorrogação. Perdemos de um lado, ganhamos de outro. Vamos continuar jogando.

E, do nada, veio aqui a imagem do campo como uma grande fogueira ao redor da qual podemos contar histórias, como numa festa de tempos ancestrais. Talvez seja querer muito. Viagem das grandes. Pretensão demais para os 8 bilhões de habitantes no mundo e as tragédias de todos os dias. E, se não dá pra ser a grande fogueira, dá pra conservar o calor das histórias de quem ganha e quem perde. Se forem conquistas nossas, muito melhor. Se não, fica valendo a prática do respeito pela vitória alheia. De minha parte, digo que vou assistir às semifinais e torcer para o bom futebol.

Penso que dá pra rever os erros e respeitar mais. Não somos só nós ao redor da hipotética fogueira gigante nos estádios, são outros bons jogadores e times que merecem ser vistos. Vale lembrar que esta foi a nossa sexta eliminação nas quartas de final. Um hexa de decepções e chega! Está bom. Que tenha sido a última lição. Que em 2026 a gente tenha quase nada a aprender e muito a ensinar.

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