Ainda a dança

Na crônica anterior disse que esse senão que estrangeiros – europeus, sejamos sinceros – fazem à comemoração dançante me dava gastura, e dá mesmo. Com todos os problemas existentes em nosso país, o samba, a dança, o drible são, e sempre foram, formas de resistência e não à toa nascem ou ganham força entre os negros. Assim, um garoto ou uma garota que passaram por poucas e boas até chegar à elite do futebol têm mais é que rebolar ao fazer um gol. Ou, como Pelé e Sócrates, erguer o braço, a mão fechada, o pulso pulsando, gesto que ecoa nos Panteras Negras, por exemplo. Em Pelé talvez involuntariamente, em Sócrates, de caso pensado. Aliás, a Fifa proibiu comemorações desse tipo? Não duvido. Ai minhas gasturas!

Mas eu fiquei pensando, vendo as dancinhas no quatro a um contra a Coreia do Sul, que elas poderiam ser mais elaboradas. Veio então à cabeça a Rebeca, não a mãe de Esaú e Jacó, mas a Andrade, nossa ginasta campeã, menina que faz questão de compatilhar sua trajetória da pobreza à carreira de sucesso, não esquecendo de nomear pessoas e projetos que lhe deram chance de fazer e crescer num esporte de acesso limitado.

Mas não me lembrei dela em contraposição a filés de ouro e outros elitismos de nossos craques, mas enquanto matutava sobre essa coisa da dança. Rebeca bem poderia ensinar aos meninos um pouco daquela sua coreografia.

Já imaginaram o Vini Jr, tendo feito o gol e comemorado com os amigos em torno de uma das bandeirinhas que demarcam a área do escanteio, sair dali em diagonal dando aquelas cambalhotas rebequianas enquanto a torcida (teríamos de contar com a ajuda da incansável torcida camaronesa e com o moço do bumbo marroquino, já que a nossa é tão branquinha e elitista) canta também um funk, mas não o usual da Rebeca. Poderia ser aquele de Amilcka e Chocolate: “é som de preto, de favelado / mas quando toca ninguém fica parado (tá ligado?)”?

A dança ganharia ares de uma releitura do pulso erguido, sendo assim um protesto velado à FIFA (como os alemães, tapando a boca com as mãos na foto oficial, e os iranianos, não cantando o hino de seu país, fizeram). Mas também uma reverência ao rei Pelé, que passa por momento tão delicado de saúde, e ao doutor Sócrates, que, ao dar aqueles passes desconcertantes de calcanhar, provava entender o futebol em todas as suas dimensões, inclusive a sociológica. E, claro, à Marta, primeira atleta do esporte a fazer gols nas cinco Copas que participou.

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