A HORA E VEZ DO INEXPLICÁVEL

Embora seja um assunto na boca do povo, A coisa que o brasileiro mais entende, o futebol possui aspectos que escapam a qualquer lógica de compreensão. Muitos pretendem dar ao futebol ares doutos e racionais, a crônica esportiva é pródiga nisso e confesso que pouca coisa é tão sem graça quanto ouvir ou ler os intelectuais do futebol, aqueles ou aquelas que pretendem aplicar ao futebol ares cartesianos. Atenção, nada contra a escrita elegante, lúdica, que nos legaram jornalistas que eram notáveis artistas literatos, a começar por Nelson Rodrigues, passando por Mário Filho (que deu nome ao Maracanã e autor de um clássico, O Negro no Futebol Brasileiro); João Saldanha, cronista, poliglota, economista, membro do Partido Comunista e bocudo, ousando dizer malcriações ao próprio general presidente da época; Antero Greco, de escrita elegante; Tostão, campeão em 1970, cronista de mão cheia e médico. Em sias de hoje, merece ser citado Paulo Vinicius Coelho, o PVC, inteligente e bem informado. Mas a maioria é formada por jornalista torcedor, inflamados e não poucos a serviço das megas corporações que dominam o futebol mundial desde meados dos anos 1990. Nos debates, os comedidos e inflamados praticamente se igualam. Existe explicação para isso?
Paixão. A paixão pode explicar. E é o tipo de paixão cega, que oblitera a razão. Talvez seja por isso que no país do futebol e da literatura, não tenha ainda surgido um romance onde o futebol seja o personagem principal. No campo do ensaio temos alguns, como o uruguaio Eduardo Galeano, “Futebol ao Sol e a Sombra” e o brasileiro Zé Miguel Wisnik, “Veneno Remédio: o Futebol e o Brasil”.
O desafio: como descrever essa louca, imprevisível e inexplicada paixão, muito mais exacerbada do que a paixão política, por exemplo? Pois se muda de partido, de gosto musical, de parceiro/parceira, até de sexo! Mas não se muda de clube de futebol.
No documentário Pelé, dos americanos Ben Nicholas e David Tryhorn (imperdível para os amantes do esporte), há um curioso depoimento do veterano jornalista José Trajano, que conta que em 1970 viajou para o México para torcer contra a seleção, pois a vitória seria explorada pela ditadura. Mas ao ver o desfile de craques como Rivelino, Gerson, Tostão, Clodoaldo, Pelé, esqueceu suas convicções e vibrava feito louco a cada vitória do Brasil! Mirem só, o futebol pode expor nossas contradições mais recônditas!
Fernando Gabeira conta nas suas memórias do exílio sueco que no verão, garotas jogavam vôlei nas ruas , sem sutiã. E os homens improvisavam “peladas” na rua. E era tanto refugiado naqueles hoje distantes anos 1970, que formavam times de vários países. Guerrilheiros, políticos, jornalistas,líderes estudantis, etc. disputavam a valer e nas jogadas duvidosas improvisavam debates furiosos se determinado lance foi ou não pênalti!
Cheguei até aqui tentando me preparar para explicar o inexplicável: como o Real Madri, considerado o melhor time do mundo pôde levar uma sova de 4 X 0 na semifinal contra o PSG? (a outra semi foi Fluminense X Chelsea, com vitória dos ingleses, que merece um capítulo a parte).
Resta a Grande Final, sem muita graça sem um brasileiro. Mas, futebol é futebol. Estamos na expectativa de fortes emoções mesmo não tendo simpatia por nenhum dos dois. Não morro de amores pelo PSG, gordamente alimentado pelo dinheiro da ditadura saudita; também não sou fã da oligarquia russa, na figura de Abramovich, que por muitos anos bancou o Chelsea. Mas o meu radicalismo não chega ao ponto de desejar “que ambos pierdan”, como diría um hermano argentino ou uruguaio!

Não precisamos chegar a tanto. Afinal, ambos são do BRICs! Sou Brics desde criancinha…

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