Havia sido um amistoso seguido de vitória, como de costume. No centro do ônibus, reunidos, falávamos sobre a vida, entoávamos sambas conhecidos por todos, encarnávamos nos mais tímidos e nos divertíamos. Cumpríamos o ritual que nos unia e fortalecia. Aquele que, em algum momento, alguns outros meninos iniciaram e que se perpetuou. Ainda que não soubéssemos, essas práticas leves e descontraídas, desinteressadas e lúdicas, alimentavam o sonho de ser jogador de futebol. Não havia headphones, redes sociais, o individualismo e o narcisismo que parecem ter corrompido, para sempre, a coletividade simples, o afeto, a extensão de uns sobre os outros, todos juntos e misturados. A vida estava ali mais do que em qualquer outro lugar.
À medida que as canções minguavam, alguém sempre defendia uma teoria sobre o futebol ou contava histórias. Dessa vez surgiu a teoria da bola de que “craque, craque mesmo, tinha nome curto”. Logo surgiram os nomes de Didi, Zito, Vavá, Pepe, Dida, Zico, Pelé. Para furar, um defendeu que o maior de todos se chamava Garrincha. Mas isso logo foi contornado: Garricha era Mané. Bem, se os maiores jogadores tinham nome curto, nenhum de nós chegaria, com os nossos nomes, ao estrelato. Ficava para cada um o ingrato exercício de diminuir o próprio nome. Márcio virava Mamá, Luis virava Lulu e todos caiam na gargalhada. Alguém se lembrou de que Zinho teria uma chance. Mas a teoria foi logo derrubada: não bastava ser curto, tinha de ter quatro letras! O fato é o de que a bola, também com quatro letras, se agradava mais desses jogadores. Eles eram benditos pela bola.
Passados 35 anos daquele dia guardado na minha memória afetiva, a teoria daqueles meninos invencíveis parece se sustentar: Pelé, o maior de todos, partiu sem que outro nome com quatro letras a ameaçasse. Pelé foi tão craque, mas tão craque, que driblou a teoria que já o favorecia. Sua genialidade coube em três letras: Rei. O Rei da bola.