Quando Sócrates chegou ao Flamengo, Zico ainda jogava.
Na reestreia de Zico e, salvo engano, estreia de Sócrates, o Flamengo venceu o Fluminense por 4×1. Eu estava na arquibancada. No pré jogo, Zico havia sido amplamente provocado. Dizia-se que ele não se recuperaria jamais de uma grave lesão sofrida contra o Bangu. Zico respondeu aos críticos como um craque faria: fez um gol de cabeça, outro
de falta e outro de pênalti.
No pós jogo, a imprensa estava agitada. Quando perguntaram ao Sócrates sobre a atuação de Zico, ele disse, com a perspicácia habitual, que havia sido “mais uma grande atuação do Galo”. Ele estava certo. Zico era a encarnação do bem no Flamengo. Nunca houve algo semelhante. Nem haverá.
Como de costume no Flamengo da época, jogadores jovens, chamados juniores, treinavam entre e contra os profissionais. Portanto, treinei com o Sócrates. Mas estávamos muito distantes: eu era um garoto desconhecido e ele um craque consagrado. Ambos permanecemos assim.
Sócrates jogava de cabeça erguida. Dava poucos,
elegantes e inteligentes toques na bola. A bola passava por Sócrates. Ele antevia. Seria engolido pelo dinamismo do jogo de hoje? Não creio. Ele antevia. Correria menos, mas mais certo que os jogadores da sua posição, como os craques fazem.
Não tenho uma foto com ele. Descuidei-me disso. Ainda não sabia da sua importância para a sociedade brasileira. Da sua cidadania. Da sua liderança. Da sua postura política. Da sua lucidez. Da sua singularidade. Da sua brasilidade.
Sócrates Brasileiro e Zico disputaram Copas e não foram campeões. Cruijff também não foi. O futebol seria outro se a Holanda e o Brasil tivessem vencido em 74, 78 e 82. Uma pena. Até o final desta semana, jogadores muito menos talentosos serão campeões mundiais.
Enquanto escrevo essas linhas, meu filho, que tem 10 anos, me questiona se se trata de uma história. Respondo que escrevo sobre Sócrates. Ele não sabe quem é. Sua geração admira youtubers e conhece três jogadores de futebol.
Preferia o futebol antes da globalização. Eu quis ser Falcão, quis ser o Doutor e quis ser o Galinho. Nossos craques jogavam aqui. Bastava para termos um futebol criativo. Falávamos dos jogadores e das suas jogadas. Sabíamos quem eram os protagonistas. E não eram os treinadores.
Confesso que quando penso no Flamengo, sobressaem os nomes de Zico, Adílio, Leandro, Andrade, Júnior, Tita. Não penso em Romário, Renato Gaúcho ou Petkovic, craques que vestiram a camisa rubro-negra com éxito.
Tampouco penso em Sócrates, o maior ídolo corintiano, que teve uma discreta passagem pelo Flamengo, mas não por mim.