Acompanhar a Copa do Mundo em um país que foi eliminado é uma experiência nova para mim. Moro na Itália e o entusiasmo é praticamente ausente. E é graças ao Peru, que está dando um show de bola na cara de todo mundo, que comecei a sentir o início da Copa. País conhecido pela sua gente feliz, resiliente, lutadora e silenciosa, gente que foge de uma realidade sufocante para muitos e privilegiada para poucos, um país muitas vezes lembrado apenas quando alguma coisa vai mal. Dessa vez tem seu momento de glória, invicto há 15 partidas, mas também lembrado pelo caso de doping da estrela da sua seleção, Guerrero, que, depois de explicar o hábito dos peruanos sobre o consumo da folha de coca, conseguiu ser absolvido, seguir e guiar seu país nesse momento tão importante para a sua gente.
Confesso que, com o passar dos anos, passei de uma ávida torcedora a uma pacata observadora de algumas partidas que me captam por motivos aleatórios, porém esse ano o acaso conseguiu me despertar um interesse que não sentia desde que o Brasil jogou a Copa de 2002, quando conseguiu ser pentacampeão.
Estava em casa com Santa, uma amiga do Peru, que me ajudava com os preparativos da festa de aniversário da minha filha mais velha e, entre conversas e cozinha, de repente percebo que tinha começado a falar sozinha. Santa discretamente tinha colocado seus fones de ouvido e, com um sorriso singelo, começou a escutar alguma coisa, que sem dúvida a enchia de orgulho.
– Santa, o que você está escutando?
– O amistoso do Peru e Suíça (e sorriu). Depois de 36 anos, conseguimos nos classificar para a Copa e já são 15 partidas que não perdemos. Sabia que até o Chile foi eliminado? Somos rivais (o sorriso se transformou em risada).
– Não lembro de você seguindo futebol…
– É verdade, nunca gostei muito de futebol, mas dessa vez é diferente. Estamos todos muito felizes. Assistir as partidas com meus amigos é emocionante… Acho que estou seguindo por isso. Estamos mais unidos, nos divertimos, é uma festa. É como se estivéssemos no nosso país… Sabe que para cada amistoso saíram vários ônibus de Florença e de vários outros lugares da Europa?! Queria ter ido para algum dos jogos, me arrependi…
– Vamos escutar juntas, então.
E lá estava eu, depois de anos de inatividade como torcedora, escutando uma transmissão radiofônica da partida de um país que não é o meu, torcendo junto, descobrindo que prefiro a narração peruana à italiana, voltando a saborear os passes, sentindo a vibração dos comentaristas e suas análises cheias de amor, esperança e respeito, e não apenas pelos seus, mas também pelos seus adversários… Lá estava eu conectada à emoção de se sentir em casa, através da união que uma Copa consegue proporcionar.
Graças à Santa, me voltou a vontade de acompanhar a Copa do Mundo. Entendi porque tinha me distanciado. Afinal de contas, não é a mesma coisa acompanhar uma partida do Brasil rodeada de torcedores de outros lugares, como italianos, espanhóis, catalães ou ingleses, imagina de argentinos… acaba faltando aquele sentimento de união, de terra, de que somos de um mesmo lugar. A minha desconexão do futebol brasileiro foi lenta, progressiva e sutil. Durou 20 anos esse processo e, de repente agora, voltei a sentir o desejo incontrolável de torcer junto, de gritar, sofrer e sorrir junto com a minha gente.
Essa Copa já tem seus vencedores, são o Peru, a Islândia, o Irã e o Panamá, países que venceram o anonimato, ganharam reconhecimento mundial e uniram a sua gente nos mais variados lugares do mundo. Independente dos resultados, eles são os vencedores dessa Copa. E todo o mundo está ganhando com eles, porque eles nos lembram que, mesmo não estando entre os favoritos, o importante é dar o melhor de nós mesmos, acreditar nos nossos sonhos e lutar até o fim. Eles nos lembram que o importante é estarmos unidos. Vamos torcer juntos para que toda nação seja reconhecida e respeitada!
Imagem: primeiro doodle feito para o Peru. Artista Andrea Galecio https://www.behance.net/andreaga