Corremos para chegar a tempo de ver o jogo. Ela se instalou na sala com seus tambores e ligou a TV, enquanto eu apressava uma saladinha para o nosso almoço semanal. Um encontro a que nos obrigamos diante da correria desse tempo louco. A pressa se justificava porque ela torce por times africanos. Perdeu o encanto pelos nossos jogadores desde que o dinheiro e o marketing se apossaram de suas vidas, ela explica. Mas, desconfio que a coisa começou por conta de uma jornada que ela fez à Dakar e à ilha de Goreé. E não adianta discutir. Seus argumentos são difíceis de refutar. Quando entrei na sala carregando as bandejas, ela foi logo gritando:
– Dá uma olhada! compara as trancinhas de raiz do Aliou Cissé com o topete do Neymar!
– Ah, menina, relaxa! cada um que sabe de si. Vamos ver o jogo?
Vimos. E não foi difícil me convencer de que, pelo menos em um ponto, ela estava certa: era bonito de ver a disposição daqueles gigantes de ébano sob o comando do único técnico negro da Copa. Não tardou para que um chute forte pegasse um desvio na perna de um brasileiro/polonês para encontrar o caminho do gol. Puro acaso. Porém, ela vibrou e me fez crer que era um sinal. Estava decidido: a seleção de Senegal merecia o apoio de brasileiros desencantados. No segundo tempo já recebemos com festa o outro gol e finalizamos o jogo acompanhando a dancinha irresistível dos nossos heróis.
O papo pós-jogo rolou livre ao som dos tambores e do entusiasmo da sua voz que revelava como essa conexão com sua ancestralidade lhe fazia bem. Sua beleza floresceu quando ela aprendeu a soltar os cachos e vestir-se com a elegância das cores. Aproveitamos o fim da tarde para ver um documentário que ela usaria em um seminário. Falava de encontro, comunicação e escuta, a partir das palavras de um griot daquela região africana. Dois pensamentos chamaram a minha atenção: o primeiro dizia que o encontro verdadeiro só acontece pela escuta atenciosa do outro. O segundo trazia a necessidade de nos colocarmos a serviço da causa do encontro e não a serviço de nós mesmos. Voltamos ao futebol e às razões de não torcer pela seleção brasileira. Calei-me e ouvi.
Da conversa, guardei a visão popular sobre a origem do nome Senegal. Diz o folclore que o rio que deu nome ao país se chamava “sunu gaal”, cuja tradução do idioma “uolofe” seria “nossa canoa”. Embora não seja defendida por linguistas, ganhou popularidade ao ser associada à expressão “estamos na mesma canoa”, que invoca o sentimento de coletividade ou de pertencimento.
Não sei se ouvi demais aquela menina. Mas, revendo os melhores momentos do jogo para escrever esta crônica, senti no campo um grupo organizado e a serviço da causa que os juntou naquele lugar. Pelo menos naquele instante, estavam na mesma canoa.
[Polônia x Senegal – Copa do Mundo da Rússia, 2018]