Pouca pele

Bem que eu tô tentando, mas tá difícil me empolgar com essa Copa do Qatar. Mas, buscando dentro de mim, vejo que o motivo desse meu desinteresse crescente pelo futebol em geral, vem de um tempo já. E nessa viagem sincera ao meu interior, descobri que é a falta de pele. Sim, os jogadores de agora vestem uniformes patrocinados pelas grandes marcas que mais parecem uma armadura de tecido, tampados de alto a baixo. Mal e mal o que se consegue ver é uma faixinha estreita nos joelhos e um pedaço do antebraço, uma vez que as camisetas são largas e longas, o mesmo se repetindo com os shorts. Não sou propriamente uma voyeur, mas beleza é para ser vista, enche os olhos e, com certeza, ajuda a empolgar.

Hoje, enquanto se despe ao máximo as meninas do vôlei (sobretudo o de praia) – e várias delas já começam a se rebelar contra essa imposição –, cobre-se os corpos dos rapazes no futebol. Um tipo de discriminação que chega a ser irritante… e broxante, confesso.

Só me resta então puxar na memória a delícia de lembrar, por exemplo, a Copa do México, 1970, quando os nossos atletas jogavam com aqueles shorts curtinhos realçando o que o Brasil tem de melhor em sua genética – glúteos e coxas. As camisetas justinhas mostrando as barrigas tipo tanquinho, os braços bem desenhados. E o melhor, a gente podia ver a gradação do tom da pele de cada um dos meninos: leite, café com leite, chocolate ao leite ou chocolate 100%. Embora em plenos anos duros da ditadura militar, aquela seleção nos trouxe o Tri e pudemos gritar e festejar nosso orgulho. Logo depois veio a Copa na Argentina, anos de chumbo também por lá, mas sempre um evento capaz de nos trazer um pequeno sopro de alegria e beleza dionísica. Afinal, olhar e admirar não tira pedaço, certo?

Outras Copas vieram depois. Chegamos ao Tetra, ao Penta, e a Fifa cada vez mais barbarizando a ética, mesmo assim a gente torcia e festejava. O tempo foi passando, o futebol foi ficando excessivamente monetizado, triste e violento. Jogadores ídolos de um pano roto, vendidos para o sistema, funcionando unicamente à base do money, sem aquele brilho no olho do futebol de outrora, quando eram movidos a garra.

Acabamos de saber que o Qatar jogou sujo para ser escolhido como país-sede, interessado em nos esfregar na cara os seus valores homofóbicos, misóginos, xenofóbicos, classistas e uma pá de outros desse naipe. E para combinar com esse moralismo da ditadura fundamentalista do Qatar, até mesmo o mascote escolhido por eles vem nessa linha: La’eeb, que em árabe significa “jogador super habilidoso” vem na forma de um fantasminha totalmente coberto na linha das vestes extremamente brancas que a elite masculina de lá usa no dia a dia (às custas do trabalho duro de empregadas, irmãs ou esposas desses senhores, claro).

Enfim, boralá, é o Brasil jogando. Juro que vou tentar esquecer que vários dos nossos atletas jogam pela extrema-direita, apoiaram tudo o que de ruim nos acometeu nos últimos quatro anos, e torcer para que tragam o caneco. Quem sabe assim, nós brasileiros já possamos partir para festejar os novos tempos que virão a partir de janeiro 2023. Esperança sempre!

Compartilhar:

Curta nossa página no Facebook e acompanhe as crônicas mais recentes.

Crônicas Recentes.