Ginga, meu caro.

Caro Vini… Eu bem sei que os ataques que você tem sofrido não dizem respeito só a você. É um ataque mortal a todo nosso futebol. O fato de surgir alguém que baila e balança as redes sorrindo, faz com que as torcidas adversárias fiquem em choque e façam de tudo para menosprezar e tentar parar essa alegria.
A maioria dos times, aqui e lá fora, doutrinam seus craques pros passes de lado e pra marcação do lateral e os árbitros andam punindo as firulas, fintas, dibres e comemorações espontâneas, ou seja, punem a ousadia de jogar com felicidade, punem o lado poesia do futebol, por isso sua ginga é um respiro, mesmo sendo uma ameaça pro restante do mundo.
Você anuncia a melhor versão do jogador brasileiro, algo que só vemos em comum em foras de série como Pelé, Garrincha, Marta, Ronaldinho e afins, a nossa marca inconfundível: a ginga.
Essa mesma que é parte do repertório dos passinhos do fluxo, das quermesses e dos bailes, que é ensaiada à exaustão nas lajes de várias quebradas e que tinha como espaço de fertilidade os campinhos de terra, um território em extinção.
Essa mesma que descobri ainda criança, quando passei por uma viatura e ouvi os gambé comentando “que daquele tamanho eu já estava andando na ginga”, o que me fez endurecer o corpo e passar o restante dos dias tenso e de cabeça baixa.
Essa ginga, é a marca do corpo negro se expressando, é o movimento da dança, da capoeira e do futebol, mas também é um termo usado de forma estereotipada para dizer do caminhar do “suspeito” e do “criminoso”.
O professor Mário Lugarinho explica que a palavra “ginga” tem relação com a Rainha Nzinga (Jinga, Njinga ou Ginga), celebrada no Brasil nas danças de congada, e que viveu em África entre 1581 e 1663. Já Mariana Bracks explica que em quimbundo, “jinga” aparece como um verbo que dá sentido de “frequência” e “ação contínua”.
No fundo é isso que querem impedir de você e de nós, caro Vini: A elegância e a realeza da nossa ginga. Impedir o conhecimento cultural-corporal do negro no futebol, pois como disse Sueli Carneiro “não é possível desqualificar as formas de conhecimento de um povo sem desqualificá-los também”.
Por isso sua alegria é alvo dos muitos racistas recalcados, no Brasil e no mundo, mas saiba que mesmo eles querendo apenas a nossa disciplina do corpo rígido com o rosto fechado e as mãos pra trás, eu sou mais você e suas comemorações. Sou mais a sua ginga, essa que aos olhos dos adversários é um terror incontrolável, uma maldição, mas que para nós significa o resgate ancestral de um povo através da bola.

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