Juras e Promessas

“Tinha jurado à minha mãe, por toda vida, não me meter em mais nenhuma trapalhada”.

Todas as vezes que abre a temporada de euforia com a perspectiva da Festa Literária de Paraty, lembro dos versos de Miguel Gustavo, cantados por Moreira da Silva. A analogia é simples. Todos os anos prometo não vir à festa e, sempre e sempre, como na promessa de Kid Morangueira, traio o compromisso.

Neste glorioso ano de 2022 havia um componente a mais para não vir a Paraty. A festa literária coincidia com os primeiros dias da Copa do Mundo. Jurei ficar em casa, de camisa azul, na expectativa drumondiana de assistir a grandes jogadas, vibrar com cada novo gol do Brasil e, contando com todos os santos de todas as religiões, afinal um bom ateu pode se apegar a tudo, sonhar com mais uma conquista do escrete brasileiro, como diriam os cronista de antanho.

Precisamos, a gente do povo precisa desta felicidade. Os sofrimentos, políticos e econômicos, sobretudo, se avolumaram e, agora, com uma brilhante estrela no início da reconquista, carecemos de novas alegrias. A Copa pode nos trazer de volta o sorriso, a paz e a camisa verde e amarela. Já vi isso acontecendo pelas ruas de Paraty, afinal, cá estou, como mal pagador de promessas que sou.

Na Praça da Matriz passeavam duas lindas moças de camisa amarela. Do lado esquerdo do peito o símbolo da CBF, do lado direito uma imensa estrela vermelha. Inicialmente pensei que se tratasse de uma releitura da bandeira do Acre, mas bastou que elas se virassem, se pusessem a caminhar para ver em suas costas uma legenda: Lula 13.

Fiquei comovido e feliz com a criatividade, com o descortinar da retomada sadia de nossos símbolos. E segui visitando as casas literárias, as livrarias, os bares onde se respira literatura, acreditando na viva incompatibilidade entre bolas e letras. Cheguei a cogitar me fazer presente numa estranha reunião de editores, onde se discutiriam os imbróglios infindos do mercado editorial, agendada para o mesmo horário do jogo.  

Um instante de reflexão me fez lembrar de Edilberto Coutinho e seus contos futebolísticos, José Lins do Rego gritando numa arquibancada, o discreto Drummond com a camisa da seleção, Nelson Rodrigues e suas crônicas decantando o Fluminense, Ignácio de Loyola Brandão confessando que sua única frustração literária é não conseguir traduzir num texto as emoções de uma partida de futebol, Chico Buarque nos humilhando dentro de campo.   

E lembre-se, Maurício, alerta-me meu anjo torto, o nome oficial do Maracanã é Estádio Jornalista Mário Filho. Isso mesmo, nosso mais sagrado campo de futebol homenageia um cronista, não um desportista.

Diante de todas estas evidências (por que diabos fui lembrar Xitãozinho e Chororó agora?), passei na pousada, vesti a camisa azul previamente adquirida, apanhei as informações necessárias, rumei para uma choperia, onde me reuni a outros malucos prenhes de esperanças, pedi um submarino, bolinhos de macaxeira com carne seca e me joguei à euforia, já esquecido que há livros no mundo e uma ganhadora do Nobel de Literatura anda pela cidade.

Cabe um esclarecimento. Submarino, para os não iniciados. Trata-se de um imenso canecão de chope com uma pequena caneca com cachaça. Por um desses milagres da física, enquanto o cristão bebe, a cachaça vai aos poucos se irmanando ao chope e o mundo brilha em azul.    

Bom, o jogo em si me encantou. Vi o Brasil destemido, jogando cm perfeição, atacando, dominando a barreira quase intransponível dos gigantes (em altura, diga-se) sérvios. Gostei da seleção propositiva montada por Tite. Lembrou os times que nos encantavam na década de 1980. Eram times que honravam uma verdade do esporte: não basta ganhar, tem que jogar bonito, tem que humilhar o adversário. E o Brasil foi tudo isso neste primeiro jogo. 

Richarlison, como vinha prometendo (e parece ser ele um bom pagador de promessas), com seus dois bonitos e técnicos gols, esta se revelando como o herói da Copa de 2022. Em minha modesta condição de quem assiste a tudo com copos e mais copos de cerveja à mão, ficarei chutando o ar a cada novo jogo na esperança que com o gesto ajude no sucesso desse moço que sempre se mostrou tão sereno, alegre e consciente.

A promessa triste que se anuncia, pelo menos neste primeiro jogo, é que, mais uma vez, Neymar não aparece tão brilhante. Nossa sorte é que Tite não apostou apenas nele, como infelizmente fez Felipão em 2014.

Enfim, esquecido de futebol e literatura, continuei noite a fora na companhia de meus copos, afinal, ninguém é de ferro.

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