Trote tricampeão

Era aproximadamente 16 horas em Buenos Aires, domingo, 18 de dezembro de 2022. A cidade explodia em lágrimas, urros e risos incontidos. Milhares de pessoas abandonavam seus lares, seus bares, suas tarefas e se encaminhavam rumo ao Obelisco. Dios olhava por todos. À beira da porta, Hector, vestindo a camisa albiceleste, despedia-se da mamá, ainda em prantos, quando teve a brilhante ideia.

–  ¡Mami, tengo una idea! ¿Cuál es el código telefónico del primo Dário de Brasil?

–  ¿Qué código, hijo mío? ¿De qué estás hablando?

– ¡Déjame ver!

Num instante, saca do bolso seu iPhone e consulta com dedos rápidos.

– Mire aquí, 5511, solo cambie algunos números y le jugaré una broma a algún idiota. Jajaja!

A traquinagem portenha estava feita. Com o smartphone colado ao ouvido, Hector esperava o brasuca aleatório atender.

Quilômetros ao norte, em São Paulo, o telefone toca na guarita de um estacionamento na VIla Maria: Triiimmmmm, triiiiiiiimmmm!

– Ô Romualdo! Atende lá! Tá chegando gente aqui! – gritou José, correndo atender ao  elegante cliente que já abria a porta do carro.

Romualdo lentamente fecha o jornal, descruza as pernas que estavam apoiadas em cima da mesa e tira o telefone do gancho, não sem antes desenroscar o fio, que José sempre enrolava sem perceber, ao prosear com sua Janete nas horas livres.

– Alô!

–  ¡Argentina, Argentina! ¡Somos tricampeones!

– O quê? Quem tá falando?

– ¡Llora Brasil! ¡Llora pelotudo! ¡Vamos selección! ¡La Copa es nuestra!

– Alô, você tá biruta? O que quer?

– ¡Messi es el mejor! ¡Messi es más grande que Pelé! ¡Argentina, tricampeones, boludo, hijo de puta…. – enquanto emendava todos os palavrões que conhecia, Hector percebe que a linha caiu…

– ¡Me colgaste el teléfono, mamá! Que grosero este brasilero... – vaticinou o portenho, sob olhar severo da mãe, incomodada com tantos impropérios. Mas vá lá, hoje pode!

Em São Paulo, José voltava para a cabine e notou a feição perplexa de Romualdo:

– Quem era?

– Sei não…um argentino louco, gritando que alguém mexeu com o grande Pelé, que a argentina ganhou a Copa, que também é tricampeã. O cara é tan tan!

– Deve ter fugido de algum hospício!

– Hahahaha, verdade! Agora me passa a placa do Opala. Que caranga!

– Zero bala, já é modelo 1971! Anota aí: EH-2059. Ô Romu, falando em Pelé, domingo tem Corinthians e Santos no Pacaembu. Vamos ver o rei jogar?

Ainda pensando naquele telefonema estranho, Romualdo murmura:

–  Argentina tricampeã? Mas nem em cinquenta anos!! Cada um hein!

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