Derrota no deserto

Acordei apreensivo na sexta-feira, 9 de dezembro, dia do embate entre Brasil e nada menos que a vice-campeã da Copa do Mundo de 2018, a encruada Croácia. A mesma que já fez parte da Iugoslávia, um ‘patchwork’ de nações e etnias reunidas sob a regência do marechal Josip Broz Tito. O retrospecto nos mostrava que a Iugoslávia tinha eliminado o Brasil em dois Mundiais, 1934 e 1954, e que a seleção canarinho, mesmo com Pelé, tinha apenas empatado com a Iugoslávia, em outros torneios. Foi nesse estado de espírito que tomei meu lugar no sofá para o primeiro tempo. Vi a Croácia “passar o ferrolho”, fechar espaços em campo, dominar a bola e esperar manhosamente por sua oportunidade de gol. O elétrico Luka Modric estava em todos os lugares.
No segundo tempo, a seleção brasileira martelou contra o gol croata, mas estava lá aquele tinhoso Dominik Livakovic, o mesmo que já tinha defendido três pênaltis cobrados pela seleção do Japão. Fomos para a prorrogação e Neymar finalmente conseguiu entrar na área, driblar o goleiro e marcar o gol que devia a si mesmo e à torcida brasileira. Achei que seria hora da nossa seleção passar o ferrolho, impedir os ataques do adversário, porém, nem só de Luka Modric vive a Croácia: havia um inesperado mas previsível Petkovic na área para empatar o jogo.
A última vez que acompanhei uma cobrança de pênaltis tinha sido na Copa de 94, com muito custo. Resolvi entregar essa partida aos deuses do futebol. Saí de casa para ir pagar um boleto inadiável. Peguei um ônibus para o centro do bairro. Quando desembarquei, passei por uma esquina onde uma “barber shop” tinha plantado um enorme monitor de TV. Vi o “menino Neymar” sentado em campo, chorando. Vi jogadores com a camisa da Croácia consolando os nossos garotos de cabelos pintados de amarelo. Tínhamos perdido nas penalidades. Pelo menos, Neymar voltaria para casa com um gol feito nesse Mundial. Continuei andando. No quarteirão seguinte, vi na TV de um bar o jogador Casemiro dando sua declaração aos jornalistas. Parei para ouvir. Ele proferiu algumas frases banais e encerrou com “vida que segue”. É isso mesmo, segui para o banco e paguei meu boleto.
Peguei o ônibus de volta para casa e cheguei a tempo de ouvir os argentinos cantando seu hino nacional, antes de jogo. Era o jogo que eu esperava nesse dia. Os hermanos entraram em campo com todo “corazón y garra”. No tempo regulamentar, eu já contava com a vitória argentina por 2 x 1 quando a Holanda transformou uma simples cobrança de falta num passe malicioso para dentro da área, e o mesmo grandalhão de camisa alaranjada (do primeiro gol) cravou o gol de empate. Achei um golpe baixo dos Países Baixos. Decorrido o tempo extra, mais uma vez, não tive “nervios” para assistir à cobrança de penalidades. Peguei minha sacola de feira e rumei para o atacadista que fica do outro lado da avenida.
Passando por uma tabacaria improvisada numa garagem, vi o monitor de TV instalado para os jovens fumantes de seus narguilés. Tive que parar e suportar o desfecho da partida.
Ai, meu coração. Até Lautaro Martínez meteu o gol que devia a si mesmo. E achei uma verdadeira justiça poética ver os ‘pibes’ argentinos dando pulos em campo, e os alaranjados sentados no gramado, em lágrimas. O tango dramático tinha virado ‘fiesta’.
“Adelante, Argentina.” Até o Galvão Bueno já se deu conta de quem é que merece a nossa torcida.

Compartilhar:

Curta nossa página no Facebook e acompanhe as crônicas mais recentes.

Crônicas Recentes.