Cotados e catados para o Catar

Como torcedor predestinado do Corinthians — nasci no mesmo dia da fundação do time —, acompanho preferencialmente os jogos do timão, se passam na TV aberta. Em tempo de Copa do Mundo, meu interesse é menor, ainda mais agora, quando a camisa amarela da CBF foi aviltada e enxovalhada por turbas que fizeram micareta pelas avenidas do país para derrubar uma governante eleita com 54,5 milhões de votos. Além disso, pesa também o fato de que o elenco da atual seleção brasileira constitui uma legião estrangeira de atletas brasucas que fizeram carreira lá fora. No entanto, dei atenção à lista de convocações divulgada pelo técnico Tite, em 7 de novembro passado. E não pude deixar de notar o nariz torcido da torcida diante de certas escolhas do “professor”. A convocação do lateral Daniel Alves, um veterano de 39 anos, causou desagrado — na geral e na arquibancada.
Numa dessas tardes, peguei um ônibus para ir ao correio, no centro do bairro. Sentei no primeiro banco individual do coletivo, que trafegava vazio. Ouvi o papo do cobrador e do motorista, elevando as vozes acima do ronco do motor:
— Como se explica isso? O Tite convocou o Daniel Alves! O cara não tá jogando mais nem no Pumas do México! Fica no banco! Não entendi nada!
— Deve ter sido pressão do Neymar — retrucou o “motora”. — O Dani Alves é babá do moleque, passa mão na cabeça dele, sempre que o garotinho apronta mais uma.
— Isso é um absurdo, uma vergonha! Como é que o Tite acata uma imposição dessa? Seja do Neymar ou da CBF! — O cobrador estava civicamente indignado.—Tanta gente boa pra colocar na lateral! O Fagner, o Rodinei… E ainda me deixa o Gabigol de fora! Um baita craque! É muita burrice!
Num país com supostos 200 milhões de técnicos, acredito que o torcedor brasileiro médio tem know-how futebolístico bastante para dar pitaco na escalação da seleção canarinho. Só não sei se é o caso de chamar o técnico de “burro”. Mas já ouvi gente que o chamou de “petista maldito”, numa vez em que Tite se esquivou agilmente do abraço de tamanduá que Jair Bolsonaro já vinha lhe dar, no final de um jogo da seleção, quando o atual mandatário-demissionário entrou em campo para cumprimentar os jogadores e fazer média com a galera. Ficou claro que o treinador não se permitiu ser usado como ‘escada’ por um vulgaríssimo colecionador de camisas de times.
Enfim, parece que nossa seleção conta com um punhado de jovens e talentosos atacantes, para além de Neymar Jr. Se ela triunfar nas arenas do Catar, quem deve se banhar na luz gloriosa da vitória é o presidente eleito, ele mesmo um vitorioso histórico, em seu mandato-triplex (2002, 2006, 2022). Em todo caso, nossa vizinha Argentina também entrará em campo com um time de feras, y nosotros, como sudacas, teremos muitas ocasiões de vibrar. (A despeito da idiossincrasia do narrador Galvão Bueno que, na Copa de 2014, exortou a massa a torcer pela Alemanha contra a Argentina.) A mi me gustan los hermanos.
Quanto a este veterano, já no 2º tempo de minha jornada sob o sol, continuarei torcendo para que os cidadãos brasileiros, algum dia, ainda venham a gostar de política — tanto quanto de futebol. Que acompanhem, analisem, torçam, protestem, e procurem escalar sempre melhor o time de políticos que colocamos em campo, em Brasília e nos Estados. Porque democracia é igual futebol: união, esforço coletivo e amor à camisa. #Vai_Corinthians!

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