Experiência é bom e eu gosto

– O Brasil é um país de 210 milhões de treinadores de futebol. Cada um tem o seu time. Só quem não tem a liberdade de escolher seus titulares e reservas é o treinador da seleção.

Essa ladainha, que muitos comentaristas repetem a cada quatro anos é quase uma confissão de culpa. Ou alguém critica mais o treinador e suas escolhas do que os jornalistas esportivos?

Tudo bem, estamos numa democracia e todos têm o direito de falar o que pensam, ainda mais os comentaristas, que são pagos pra isso.

Somos penta e temos pinta. Pinta de campeões, é o que exaltam muitas das otimistas mesas redondas, que agora vão de segunda a domingo. Manhã, tarde e noite.

Mas afinal, o treinador tem ou não tem o direito de chamar quem ele quiser? Parece que não. Na televisão, o repórter mal pergunta e os “treinadores e treinadoras” são implacáveis. O desabafo é parecido, seja na Cinelândia carioca, na Boca Maldita em Curitiba, ou pertinho da pororoca em Manaus.

– Só ele mesmo para não chamar fulano.

– Não devia ter convocado aquele.

– Tal jogador é inexperiente.

– Tá velho demais e nem se recuperou da última contusão.

– Beltrano não gosta de treinar

– Sicrano não solta a bola.

– Fulano vai entregar no último jogo. Quer apostar?

Vale tanto criticar pelas ausências como pelas presenças.

Na Copa de 70, do nosso tri, a polêmica era em torno de Dario, o Dadá Maravilha. Ídolo do general e presidente Médici, ele acabou indo. Não jogou e ninguém sentiu falta. A seleção ganhou todos os jogos e fez uma campanha inesquecível.

Em 1974 teve música para o Pelé mudar de opinião e voltar a vestir a amarelinha, ou azulzinha. Como palavra de rei não volta atrás, ficamos sem Pelé e sem o tetra.

Veio 1982, o Brasil gargalhava com Jô Soares, que berrava: “Bota ponta, Telê. Bota ponta”.

Em 1986, Telê botou e depois tirou o ponta. Renato Gaúcho foi cortado por indisciplina. Leandro, titular absoluto, reagiu e na hora do embarque não apareceu em solidariedade ao amigo. Isso mesmo, se recusou a jogar a Copa.

 Em 1998 e 2002 o baixinho e marrento Romário pediu, insistiu, fez muitos gols mas viu as Copas de casa. Zagalo e Felipão ignoraram um dos melhores atacantes de todos os tempos.

Dessa vez a maior reclamação é sobre Daniel Alves. Aos 39 anos, o bom baiano não está jogando há algum tempo e treina no time B do Barcelona.

O comentarista Casagrande achou um absurdo e escreveu.

– Desrespeito com quem está jogando e suando por uma vaga. Não devia ser chamado.

No dia seguinte, no mesmo jornal, Tostão rebateu:

– É bom, experiente e não tem nenhum craque na posição. Tite está certo”.

Como todos temos nossos times dou o meu pitaco. Daniel Alves, sim. Tem habilidade, pode acalmar o time nos momentos mais difíceis, já ganhou títulos importantes e quase aos 40 é jovem.

O Brasil e o mundo estão mais velhos. Se antes os jogadores se aposentavam aos 30, hoje é diferente. Daniel pode e deve jogar. O mesmo para Thiago Silva que já fez 38.

O futebol está mais rápido, assim como os casamentos, assim como os aviões, assim como a internet. Mas velocidade não quer dizer pressa. Quem corre demais cansa.

Vejamos nossos campeonatos. Ganso, do Fluminense, tem 33 e é dono do futebol mais vistoso do país, justamente porque não é apressado. Aos 37, Diego Souza se destacou no Grêmio e balançou a rede 14 vezes na série B. Passado dos 40, Nenê fez o gol que trouxe o Vasco de volta à primeira divisão.

Felipão, treinador vice-campeão da Libertadores da América, vai fazer 75.

Nos aposentaremos mais tarde, nossos filhos terão filhos mais tarde e nossos netos vão passar fácil dos 100 anos. É só o homem deixar o planeta em paz.

Caetano, Gil, Milton e Paulinho da Viola estão belos e faceiros aos 80. Algum deles passou a desafinar ou esquecer as letras?

Fernanda Montenegro chegou aos 93 e Luiza Erundina – deputada federal reeleita – vai comemorar 88 no final do mês.

A potência e a força dos mais experientes estão na nossa frente. A toda hora vemos idosos que se formaram na terceira ou quarta fase da vida. São doutores exibindo seus diplomas com orgulho aos 70, 80, 90.

Desde o ano passado, pago meia entrada no cinema, teatro e no transporte público sento naquele banco especial.

Dia desses, os lugares preferenciais estavam ocupados no vagão da CPTM e eu viajava de pé. Levava o jornal debaixo do braço e usava bermuda por pura distração, já que o dia estava frio.

Um jovem passageiro ofereceu o lugar dele, quase levantando.

Agradeci e mantive a pose, ainda de pé. Ele insistiu com bons argumentos, enquanto os outros passageiros acompanhavam me olhando, já curiosos

– Senta aqui, por favor, vai. O senhor vai viajar com mais conforto e pode ler o seu jornal com segurança.

Conforto. Segurança. Jornal. Essas palavras dizem muito, têm prazo de validade. Entendi e atendi, livre de orgulho e outras bobagens.

Ao ocupar o banco, senti na pele, que a gentileza trazia escondido um presente: o assento até então ocupado pelo rapaz, estava quentinho, ideal para acolher minhas pernas geladas. Olhei a vista lá fora, respirei fundo e abri o jornal, em busca das notícias da Copa e seus jovens veteranos.

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