Peguei um uber na quinta à noite. O jovem motorista era grande. Forte. Assim que entrei, ele já foi falando:
— Tá indo pralgum rolê?
— Nada. Fui ver o jogo do Corinthians na casa do meu filho.
— Ouvi qualquer coisa aqui no rádio.
Deu um branco de alguns segundos na conversa. Passamos na frente de um bar lotado, com as pessoas festejando a vitória do Timão, tocando aquela buzina insuportável de Copa do Mundo.
— Então, teve uma vez que eu misturei bala com buzina – disse o motorista.
— Bala com buzina?
— Tá ouvindo essas buzinas aí? Então, são feitas de gás, tá ligado? Eu e uns camarada meu, a gente ia assistir os jogos do Brasil num barzinho da Vila Olímpia. Copa da Rússia, a última que teve. A gente tirava a corneta que faz esse barulho e baforava o gás, tá me entendendo? Muito louco.
— Dá barato?
— Porra, mano! É tipo lança só que a brisa é mais curta e muito mais potente. Pá! Pum!
— Como é que foi?
— Só tive uns flashs no dia seguinte. A seleção entrando em campo pro jogo com a Sérvia, se não me engano, hino nacional, aquelas frescura. Baforei a buzina. Não me lembrei de mais nada, só que dava risada e bebia cerveja o tempo todo. E baforava e bebia e dava risada.
— Acordou de ressaca, dor de cabeça?
— Magina! Olha o meu tamanho, mano, aguento qualquer tranco. Teve uns lá que passaram mal depois. Piriri brabo, sabe como? Caganeira, como se diz.
— Quem inventou essa história de cheirar buzina de torcedor?
— Sei lá, mano! Pro outro jogo que foi contra a Suiça, se não me falha a memória, meus camarada foram na loja que tavam vendendo essas cornetas e compraram o estoque inteiro pro resto da Copa. Ainda quiseram deixar lá a parte que faz barulho, mas não aceitaram.
— E daí?
— E daí que eu não me lembro de nada daquela Copa. Só sei que foi engraçada. Ainda bem que o Brasil perdeu logo, né? Me diverti pra caramba.
— E pra essa Copa do Catar, já encomendaram as cornetas?
— Cê tá de brincadeira comigo. Depois da Rússia, nunca mais usei buzina. Meu moleque tá se ligando em futebol, fã do Vini Jr., aquele um rapidinho que vive dando risada, sabe quem?
— Sei, sei.
— Pois então, vou ver a Copa de Mundo agora com o moleque. Sem corneta, só na breja e na pipoca. Essa buzina além de chata, faz mal pra saúde, tá ligado?
— É ali no prédio da esquina. Pode parar atrás daquele UP! vermelhinho.
— Valeu, meu patrão!
— Boa noite! Vai com Deus!
— Brasil, sil!
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Leonel Prata
Quando pequeno, foi à casa do Rei Pelé em Bauru e ao vê-lo cara a cara, ficou mudo e se borrou todo. Jogador de futebol de peladas desde a tenra infância, quando atuava descalço no paralelepípedo quente da rua da sua casa no interior de São Paulo. Já fez gols em campinhos de areia, gramados e cimentados. Já estufou as redes com a camisa 9 do Tostão (usada na Copa de 70), que ganhou de uma colecionadora. Craque no futebol de botão. Esta é sua primeira convocação para uma seleção brasileira: a dos craques das letras do Crônicas da Copa.
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