O que eu fiz com a 9 do Tostão

Logo depois da Copa de 70 no México, ganhei da minha namorada uma camisa da seleção brasileira de futebol.
— É do Tostão!
— Tostão? Nossa! Obrigado!
A mãe dela conseguiu duas: a 9, do Tostão, e a 10, do Pelé. Tinha mania de colecionar camisas de jogador de futebol. Eu queria mesmo era a do Rei, mas tudo bem a do Tostão.
A do “Mineirinho de Ouro”, como era conhecido o dono da 9, não estava fedendo suor, só suja. Imunda. Tinha uma mancha de sangue logo acima do distintivo da CBD, do lado esquerdo do peito. Mandei lavar, com a recomendação de esfregar bem a nódoa. Minha namorada teve um chilique (nossa primeira briga), perguntou se eu estava louco ao mandar a camisa do Tostão!, da seleção tricampeã do mundo!, para o tanque!
Não via a hora de estrear a amarelinha do Tusta. Eu jogava bola toda segunda-feira, de centroavante (camisa 9), num campo de areia na Vila Olímpia, em São Paulo. Os companheiros, à princípio, não acreditaram tratar-se da camisa do consagrado mineiro, formado em Medicina. Depois, morreram de inveja.
Além de jogar futebol com a 9 do craque, também a usava em eventos sociais, como churrascos com os amigos e almoços na fazenda da sogra. Peguei gosto pela amarelinha.
Com o tempo, a gola e as mangas começaram a alargar. O tecido foi ficando puído depois de tantas lavadas. E a do Pelé, intacta, suja, e provavelmente fedorenta, emoldurada lá na sala da casa da mãe da minha namorada. Minha sogra não me olhava na cara havia meses.
Já não dava mais para desfilar uniformizado de seleção por aí – naquela época era motivo de orgulho para qualquer um.
Mais algumas partidas e a 9 do escrete nacional ficou mais machucada ainda. Não dava mais pra jogar bola. Virou pijama. Minha namorada teve outro chilique (briga feia).
Depois de uns meses rolando na cama, a amarelinha esgarçou-se de vez. Ficou imprestável.
— Joga fora não, seu Leonel – disse a mulher que tralhava em casa. — Isso aí dá um belo pano de chão. O tecido é do bom, olha isso, passa a mão pro senhor ver.
E assim foi feito. A camisa 9 tricampeã do mundo deu um verdadeiro show no tapete verde do chão da minha casa, por muito tempo, para o último chilique da namorada.
Muitos anos depois, leio no jornal que a camisa 10 do Pelé, de uma renomada colecionadora brasileira, usada pelo Rei na partida entre Brasil e Inglaterra, na Copa do Mundo de 1970, fora arrematada em um leilão, em Londres. Por uma verdadeira fortuna.

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