A primeira Copa que acompanhei, aos 11 anos, foi a Copa 70. Morava na zona rural de uma distante cidade do interior paulista, Junqueirópolis. O futebol naqueles idos ocupava a maior parte de nossa imaginação e da vida cotidiana. Hoje em dia recordo quase com ares de incredulidade, o quanto o futebol fazia parte de nossas vidas.
Acompanhamos pelo rádio as partidas do Brasil, pois, para todos os efeitos, só o Brasil interessa. Se por acaso não tivesse passado de fase, para todos, a Copa realmente teria acabado. Não era falta de interesse, era o fato concreto que nos dizia que realmente a Copa teria acabado.
Lembro-me que ao fim da competição, dos 4 x 1 contra a Itália, a molecada ia para o terreiro ou campinhos improvisados e fingíamos ser Jairzinho, Carlos Alberto, Clodoaldo, Gerson, Rivelino. Pelé ninguém ousava ser. Era o Rei, exercia um poder mítico ao qual ninguém ousava querer imitar: seria muita pretensão.
Na esteira do Tricampeonato, juntei,as parcas economias e na única banca de jornais da cidade comprei uma revista Placar que trazia um resumo da Copa70 e da campanha do Brasil.
Lembro-me ainda de algumas das manchetes: no jogo contra o Perú, uma sóbria frase: “Tudo Bem nas Quartas”, onde se falava com respeito do técnico do Perú, o brasileiro Didi;
A batalha contra os uruguaios tinha uma manchete em letras garrafais e outras sub manchetes ao longo do texto. A primeira: “Vingança era uma obsessão, mas foi uma alegria”, fazendo jus ao Maracanazzo de “apenas” 20 anos antes, em 1950, quando os uruguaios tiveram o topete de ganhar do Brasil em nossa casa, numa das maiores tragédias futebolísticas de todos os tempos. A leitura segue. Outra frase marcante: “Vamos Clodô! O grito de Gerson ecoou na arena silenciosa”. Certamente se referia a dica dada por Gerson para que o volante Clodoaldo avançasse, pois ele, Gerson, cobriria seu setor. (A descrição da cena mostra seguramente um repórter com dotes literários e que se arriscava em nome de uma licença poética. Certamente Gerson gritou “Vai ou vamos, Clodô!”, mas com certeza não era numa “arena silenciosa”, com a barulhenta torcida mexicana que torcia pelo Brasil.)
Logo a seguir, pouco depois do grito de Gerson, outra descrição reveladora: “O chute forte de Clodô, com raiva”, decretando o empate, ao fim do primeiro tempo. É de se compreender o entusiasmo do autor do texto que ficaria em minha memória: que ninguém duvidasse da capacidade de Gerson de “ver” o jogo (ou “ler” , para usar a palavra hoje na moda). Trocou de papel com Clodoaldo, pois este, jovem e habilidoso poderia ser o elemento surpresa. E funcionou: das imediações do bico direito da área, Clodoaldo soltou um petardo que surpreendeu o grande goleiro Mazurkiewicz. Clodoaldo ou Corró ou Clodô faria um dos gols mais importantes da história do futebol brasileiro: era a semifinal, de um jogo carregado de tensão por conta do fantasma do Maracanazzo e o Brasil começara perdendo. O chute fora mesmo com raiva, do tipo sai zica! No segundo tempo Rivelino e Jairzinho fizeram gols “convencionais”, passamos para a final e superamos o trauma de 1950. Nesse mesmo jogo, uma incrível jogada de Pelé, driblando o goleiro sem tocar na bola, entraria para os anais das cenas antológicas!…
Da final contra a Itália, a manchete dramática, épica: “A Itália foi derrotada para toda a Eternidade!” Tinha um “quê” de ufanismo, mas igualmente um “quê” de encanto deflagrado por uma seleção que de fato maravilhou o mundo.
Estas velhas cenas vieram à mente logo depois da vitória do Brasil contra a Coréia do Sul, passando pelas Oitavas de Final da Copa do Deserto com facilidade aparente. O “tudo bem” recomenda uns pezinhos no chão. Nada de entusiasmos eloquentes, ufanistas! Pois a derrota para Camarões, mesmo com um time reserva, fizeram dedos, espadas e flechas serem apontados na direção de Tite, que ia bancar São Sebastião! “Tudo bem”, o Brasil se impôs e com 15 minutos do primeiro tempo, praticamente liquidou a fatura: “tudo bem nas Oitavas. Passamos”.
Se o resultado não é suficiente para contagiar o país e reencontrarmos razões para nos orgulhar ou nos ufanar, também não é o caso de culpar o Brasil por ter enfrentado a Coréia. O Brasil enfrentou a Coréia que se qualificou de maneira legitima, justa. O Brasil enfrentou a Coréia do Sul, mas poderia ter enfrentado o Uruguai, que talvez complicasse. Ou não, dependendo da boa ou má disposição do imponderável. Diz a lógica que o Brasil ganharia de barbada do Uruguai. Mas, onde está a lógica? Dizem que os uruguaios não estão felizes com essa senhora, a “lógica”, que os teria enganado direitinho.
No meu texto anterior, eu lançava certa dúvida: vai dar Onça Pintada ou Tigre Asíatico. A Pintada nem precisou sair da mata e duelar Na areia do deserto: o Tigre era de papel…
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Joca
Sociólogo, ex funcionário público. Autor d'A Invenção da Palavra e Pequena História do Mundo (Fábulas voltadas para o universo infantil e infanto juvenil). A publicar: O Presidente Que Burlou o Golpe (fábula política).
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