O revolucionário conservador Adenor Bachi, conhecido por Tite, ex volante de quem não me lembro, ficou 6 anos no comando da Seleção Brasileira e as estatísticas que nunca mentem dizem que teve um aproveitamento de 80%. Aproveitamento de campeão, incontestável. Mas igualmente revela o quanto os números podem ser enganadores. Ou o quanto as aparências enganam.
Não me lembro de Tite como jogador. Tudo leva a crer que foi medíocre, o que nada significa se formos comparar sua performance de jogador e de técnico. Vicente Feola, o grande comandante de 1958 nunca deve ter dado um chute na vida e dizem as línguas fofoqueiras que dormia durante os jogos. De Luiz Alonso Peres, que ganhou de tudo pelo Santos, os fofoqueiros igualmente dizem que era um mero distribuidor de camisas (deveria distribuir certinho, não errava um número, pois o Santos sob sua direção ganhou tudo o que viu pela frente…).
A confiança depositada em Tite tinha lá sua razão de ser. Foi por méritos e na ocasião de sua escolha, foi quase uma unanimidade. Nada a contestar. O primeiro (e decisivo) tropeço contra a mediana Belgica foi tido como acidente de percurso, em nada abalando a posição no técnico e sua metodologia, que dava a impressão de ter pleno comando de um time recheado de craques. O que diz o senso comum, quando um técnico tem o comando e apoio de um time de craques? Só pode resultar em títulos, oras bola! Desta feita não tinha erro! Seriam 4 anos de trabalho e o hexa seria barbada. E Tite podia prender e mandar soltar; na mão, carta branca e nas mangas, cartas de todas as cores. Seria o herói do Brasil e muitas crianças nascidas no período seriam chamadas Adenor (ou Adenora) e/ou Tite.
Quem seria implicante o bastante para questionar 80% de aproveitamento? Os chatos de plantão que esperassem, pois não seria desta vez que tripudiariam, invejosos, sobre o técnico que reinventara a bola? De professor, seria promovido a Doutor ou Comendador!
Isso tudo, se não tivesse pela frente mais um fatídico jogo decisivo. Jogo decisivo contra a meia boca Croácia, prestes a fazer ecoar o ultimo canto de cisne do velho Modric… Alguém pode ter alertado que o Brasil tem problema com jogo decisivo, mas o golaço de Neymar recolocou o Brasil no topo! Não tinha pra ninguém, exceto tomar o gol de empate faltando 4 minutos. Acidente de percurso? A história se repetindo? Conspirações? Tudo isso ou nada, se se considerar o erro crasso de tomar gol de contra ataque. Vacilo geral. Acho que faltando 4 minutos para acabar o jogo, nem o Feola dormiria à beira do campo… Tomou o gol, foi para os pênaltis em desvantagem psicológica e o velhinho Modric deitou e rolou, enrolou os estupefatos brazucas, de quem sempre foi admirador…
Antes de tudo, sinceras avaliações: 80% é um aproveitamento de campeão. A questão é: contra quem foi. Ganhar de times de segunda divisão é mais ou menos como time grande do Brasil ganhar a série B… O único argumento válido é: melhor ganhar que perder. Ponto.
Se Tite tivesse deitado e rolado contra a Croácia (mesmo nos enrolando) não teriamos outro remédio senão engolir desaforos. Ninguém se importaria com as dancinhas nem com as escolhas politicas ou a tintura nos cabelos dos atletas. A seleção seria unanimidade nacional. Como perdeu, então vamos encher os picuás e bolsos de pedra, calibrar o estilingue e fazer Tite de tiro ao alvo (por favor gente, a linguagem “tiro ao alvo” é puramente metafórica. Pensando bem, talvez seja melhor substituir as pedras por torrões de terra dura, pois tomates e ovos estão caros e seria desperdício de alimento).
Vamos, pois, atirar, torrões de terra e gritar: pra que você levou o presunçoso Daniel Alves, cujo grande mérito seria ter mais um título em sua vitoriosa carreira? Tecnicamente, Daniel não acrescentaria nada, isso era sabido. Se fosse para alguém para fazer número, que levasse o jovem Endrick, do Palmeiras. Ou o Ângelo, do Santos, jogadores com potencial para jogar a próxima Copa e que poderiam ir se acostumando ao ambiente da seleção. Quem no Brasil de hoje lembra de um goleiro chamado Everson? Seria ele melhor que o João Paulo, do Santos? Há, pois, muito a compreender. Vale alguns anos no divã do analista para tentar dar conta do óbvio. Ou do incompressível: de porque as vaidades individuais se sobrepõem ao interesse coletivo.
Anos de análise. Cinco sessões por semana para no final o torcedor indignado, cansado de atirar torrões de terra com o estilingue, dar tchauzinho e dizer: obrigado Tite. Por nada!
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Joca
Sociólogo, ex funcionário público. Autor d'A Invenção da Palavra e Pequena História do Mundo (Fábulas voltadas para o universo infantil e infanto juvenil). A publicar: O Presidente Que Burlou o Golpe (fábula política).
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