O BORRA BOTAS DESLUMBRADO

O Colonialismo é uma praga. Não basta a dominação de um país sobre outro. Tudo o que signifique manifestar superioridade de um grupo sobre outro são formas de colonialismos e nem se dão ao trabalho de disfarçar. Xenofobia, racismo, imperialismo, são formas de colonialismo. E ainda tem a indisfarçável colonização interna, submissão passiva e voluntária.
O agora ex técnico da seleção brasileira, Tite, é um colonizado. Não obstante ser bem sucedido, tem a mente escravizada. Embora dirija uma equipe de futebol de grandes astros, é tomado por um sentimento de inferioridade. Substituiu a síndrome do vira-lata por uma retórica empolada, que não esconde sua condição de colonizado. É como se ele e seu time tivessem de se adequar a algo que nos é estranho. E de fato é: o futebol rígido que tentam nos enfiar goela abaixo é algo bem diferente da paixão e alegria.
O problema não é ser ou não colonizado por si só, em função da predominância do pensamento e das escolhas europeizadas, mas da aceitação voluntária: não foram os europeus que desembarcaram aqui de armas em punho e sujeitaram os futebolistas a jogar futebol da maneira deles, mas sim os técnicos brasileiros que voluntariamente se submeteram. Hoje em dia não há mais o embate entre europeus e sulamericanos: os últimos, brasileiros inclusos tentam desesperadamente impor uma filosofia – um estilo de jogo – racional quando o futebol para nós, é antes de tudo um exercício lúdico. Nesse quesito está a graça para o brasileiro que olha estupefato para os mirabolantes esquemas táticos tracejados em folhas de rascunho ou para as telas de smartphones abastecidas por “analistas de desempenho” infalíveis!
Ok, o futebol foi trazido para o Brasil por um europeu, o inglês Charles Miller. Mas os brasileiros transformaram em outra coisa – só não digo diferente porque existem regras comuns. Da mesma forma que o instrumento musical que poderia ser considerado símbolo da cultura popular, a viola caipira, foi trazida ao Brasil pelos portugueses e aqui foi transformada completamente.
Ao longo das décadas, desenvolvemos uma tradição futebolística respeitada no mundo inteiro. O mais badalado técnico de futebol atualmente, o catalão Pep Guarola, ao ser indagado a respeito de suas influências, não titubeou em informar que sua maior inspiração foi o Santos de Pelé, que ele descobriu em longas conversas com o ex ponta esquerda do Santos, Pepe, que foi seu treinador no Oriente Médio. Precisa dizer mais alguma coisa? O fato deveria ser esclarecedor por si mesmo. Hoje em dia , quando vemos treinadores brasileiros tentando copiar esquemas de jogo dos europeus, é o caso de perguntar porque jogamos fora uma capacidade que era intrinsecamente nossa, uma das poucas coisas que conseguimos fazer direito: jogar futebol.
Tite se posta diante dos microfones nas entrevistas coletivas como se fosse revelar importantes segredos da vida e do universo. Ávidos, jornalistas com blocos de notas, gravadores e microfones a postos recolhem as palavras emitidas por um oráculo que talvez contenha o segredo do Universo. O técnico de futebol se porta como um decifrador de enigmas, o que possui o dom de revelar aos incautos da “leitura do jogo”. Um dos últimos bastiões de nossa dignidade ultrajada, acaba de cair: os tornamos Terceiro Mundo. Só falta copiarmos o Carnaval de New York ou de Veneza…
Muito barulho por nada? Nem tanto, convenhamos. Na verdade ficamos devedores do estilo Dunga de ser, o volante viril e raçudo que se aprimorou na Europa e o aplicou com todo estardalhaço na Copa de 1994. O anti-futebol que havíamos derrotado em 1970 ressurgiu vingativo. E alguém botou na cabeça dos dirigentes da CBF que cabeça de bagre botinudo seria a salvação do futebol brasileiro. Mal se lembram que Roberto Baggio deu uma grande contribuição a conquista brasileira quando isolou aquele pênalti…
Mas, voltando ao malfadado colonialismo interno, fiquemos com um exemplo: o zagueiro Lucas Veríssimo, razoável zagueiro – pensando bem, zagueiro não precisa ser mais que razoável – por muito tempo jogou pelo Santos sem fazer feio e em momento algum foi cogitado para a seleção. Bastou ser contratado pelo Benfica de Portugal para em poucos meses receber o carimbo de promoção e simbolicamente deixar de ser o cidadão de segunda classe que se deslumbra com o Primeiro Mundo. Baixam a cabeça voluntariamente e tentam aprender essoutro estranho esporte, vagamente parecido com o futebol arte que um dia, longínquo, encantou o mundo.
Veríssimo não foi à Copa do Deserto vitimado por uma grave contusão. Não se pode dizer se seria relevante ou não; o que se sabe é que alguns jogadores chancelados pelo carimbo “europeu” não foram relevantes, outros claramente não tinham condições técnicas ou físicas de lá estar. Por isso, não deixa de ser desalentador ver que até no futebol o colonialismo exerce sua nefasta influência, criando jogadores de segunda classe por estarem no Brasil.

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