Segui todas as recomendações: acordei cedo, adiei a corrida matinal, preparei o café e me postei diante da TV para ver o anunciado jogão, o jogo da vida das seleções brasileira e francesa. Tudo indicava que desta vez a seleção brasileira iria por fim a esse tabu sem graça que elas mantém contra nós! Onde já se viu, nunca ganhamos delas! Hoje era o dia da redenção! Elas, que estavam ressabiadas por apenas terem empatado com a Jamaica, que se cuidassem, pois o Brasil partiria pra cima de faca nos dentes! Vitória e quebra de tabu, a nossa caça!
Entre um gole de café com leite e corajosas e decididas dentadas no pão tostado na chapa com queijo fresco, meio incrédulo eu via as francesas nos encurralarem e nem nos deixar sair jogando! Que comportamento bizarro! Elas, nossas potenciais caças, teriam de se comportar como caça, não como caçadoras.
Entre estranhezas surreais, tivemos, eu e a imensa torcida brasileira, de nos conformar: tem dia que é da caça, por mais que contrarie a lógica – se houvesse lógica em jogo de bola, onde o imponderável reina e constantemente faz das suas.
Ao final, nesta manhã gelada em São Paulo onde a caça ganhou a parada, rápida espichada d’olhos no números do jogo: as francesas tiveram 3 grandes oportunidades, todas de cabeça, fizeram 2 gols e a nossa goleira fez um milagre, impedido o 100% de aproveitamento; o Brasil também teve 3 grandes oportunidades: o gol da Debinha, um chute de frente pro gol que saiu pra fora e um contra ataque desperdiçado. São coisas que acontecem.
E dentre muitas coisas que podem acontecer, pode ser que a seleção brasileira mais preparada de todas, corre o risco de não passar para a segunda fase, se não ganhar da Jamáica no terceiro e decisivo jogo. Fazer o quê? Por isso o futebol é chamado jogo. E num jogo, de tudo pode!
Hoje aconteceu, por exemplo, algo impensável até aqui: o técnico francês, não obstante a pose de chevallier, monsieur Hervé Renard, deu chilique à beira do campo, inconformado com a decisão da arbitragem de acrescentar mais um minuto de jogo. Partiu pra cima da arbitragem apontando o relógio e exigindo o término da partida. Até então, ainda não tinha visto chiliques a beira do campo e jamais esperaria que, justo ele, Monsieur Hervé Renard, de longa e supimpa tradição cartesiana , saltitasse e berrasse como uma garnizé que tivesse levado uma ferroada de marimbondo. Foi de fazer inveja a Abel Ferreira, o técnico português, que ocupa com galhardia o pomposo título de Rei dos Chiliques.
Mas não se anime tanto, Monsieur : em matéria de Reis, Rainhas e outras majestades, o Brasil continua insuperável. Acredite: o Brasil tem mais Reis e Rainhas do que a França! Rei do Gado, Rei da Soja, Rei do Café, Rainha do Futebol, Rei do Futebol, Rei da Juventude, Rei do Pagode, rei Momo, Rei da Voz… (…)
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Joca
Sociólogo, ex funcionário público. Autor d'A Invenção da Palavra e Pequena História do Mundo (Fábulas voltadas para o universo infantil e infanto juvenil). A publicar: O Presidente Que Burlou o Golpe (fábula política).
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