Existem deuses do futebol?

Sempre ouvi o povo que faz futebol no rádio, na TV e nos antigos jornais (hoje, sites) evocarem “os deuses do futebol”, afirmando que eles tinham feito isto ou aquilo – uma travessura ou arte, como diziam nossos avós. Uma espécie de seres similares àqueles que maquinam encontros e desencontros nas florestas encantadas em “Sonhos de uma Noite de Verão”.
Não sei se lembram, na peça de William Shakespeare, escrita no longínquo 1590, seres encantados, como elfos e fadas, manipulam amantes por puro prazer e acabam por escrever uma história cheia das mais absurdas surpresas. Por exemplo, lá pelas tantas, alguém se apaixona por um burro.
Fiquei matutando sobre essa obra do poeta britânico logo após o jogo entre EUA e Suécia. Não que a Suécia seja ruim (tem duas medalhas de prata em olimpíadas), mas a tal da América era favoritíssima ao título. Ocorre que as meninas do Tio Sam, talvez por soberba, talvez por brincarem com a sorte, andaram dando muita sopa pro azar.
Ganharam (só) de 3 a 0 das vietnamitas, que chegaram à Copa com a nobre, mas modesta, missão de marcar um gol. Depois, foram paradas, com empate em um gol, pela Holanda, tida como seleção mediana. Por fim, escaparam de serem, vergonhosamente, eliminadas pelas portuguesas, não fosse a bendita (para as americanas) trave.
Naquele dia comecei a desconfiar que os deuses do futebol existem mesmo. Assim como os duendes do Shakespeare. E assim como os fantasmas dos teatros. Por que vocês sabem, não? Em todos os teatros do mundo, proclamam os atores, existem um fantasma.
Pois ontem eu fiquei com um pé atrás. Achava que sim, todas essas entidades existem, com certeza, mas, hoje, voltei a desacreditar. Talvez, amanhã eu veja nova façanha deles e seja obrigado a crer, querendo ou não.
Mas, ontem, depois de novo zero a zero, desta vez com a Suécia, os EUA foram decidir nos pênaltis. E que decisão! Nunca vi nada igual. Nem parecido. A bola chicoteou na trave, entrou no gol, voltou para a goleira desesperada e pronto: todo mundo achou que não tinha sido gol. Mas foi.
Só me lembro da cara abestalhada da goleira norte-americana segurando a bola enquanto as suecas formavam montanha humana na comemoração da classificação para as quartas de final. E eu decretei a mim mesmo: o povo das rádios, TVs, jornais e sites tem razão em evocar os deuses. Acho que eles existem de fato.
Foi a única explicação que encontrei. A razão eu ainda não sei. Mas, se eles existem devem ter pensado o seguinte: demos quatro chances para a poderosa seleção da América provar que era poderosa e merecia as projeções de favoritismo e dos elogios daqueles que as colocavam como as melhores, as donas do mundo, as imbatíveis.
E deuses, como se sabe, também perdem a paciência. Ou melhor, avaliam as intenções dos corações humanos e, como todos sabemos, eles detestam arrogância, orgulho, empáfia. Em tudo na vida, mas, em especial, no futebol, é inadmissível a falta de humildade.
Alguém poderá me contestar dizendo que estou fazendo julgamento. Quem sou eu para julgar! Isso é papel dos deuses. Só estou sugerindo, supondo, conversando com meus duendes, fadas e elfos.
Seja o que tenha sido, o fato é que, os deuses do futebol (existam ou não) se encheram da seleção norte-americana. Esse nariz empinado todo para marcar, apenas, quatro gols e protagonizar dois empates em zero a zero e outro com um gol? Quer saber? Voltem pra América!
E foi aí que um desses deuses resolveu colocar a bola um centímetro além da linha demarcatória, na parte interna, e dar o inacreditável gol para a Suécia.
Sabe quem está assim há algum tempo? Assim como as norte-americanas, achando que vão ganhar quando lhes der na telha e voltarem a ser campões? A seleção brasileira masculina. Se bem que, desta vez, os deuses erraram de Copa e tiraram as meninas.
Mas, pensando bem, repito: a seleção feminina é a oitava no ranking da Fifa e, a Jamaica (ainda não esqueci o que aconteceu), a de número 43. É talvez os deuses queiram nos dar uma lição. O futebol (masculino e feminino) mudou e não dá mais para olhar só para o próprio umbigo. Digo isso em relação ao Brasil.
No caso dos EUA, tudo bem, eles já têm tudo demais: quatro títulos mundiais, montanhas de dólares, idioma universal, cultura de massa em todos os cantos do mundo, domínio político, etc. Não vai fazer falta nenhuma não levar o título. E, quem sabe, aprendam um pouco sobre humildade – como os rapazes brasileiros do futebol.
Sobre aos deuses, como eu disse, hoje voltei a ser cético em relação a existência deles. É, talvez esteja me faltando um pouco de humildade. Pode ser.
Falei um “pode ser” meio blasé e, então, me ocorreu a famosa frase: “Há muito mais coisa entre o céu e a terra do que supõe nossa (minha) vão filosofia”. Foi Shakespeare, aquele dos duendes da floresta, quem a escreveu em “Hamlet”, a mais incensada peça dele.
Refiz o “pode ser”, agora, com mais respeito e decidi prestar um pouco menos de atenção às minhas filosofias vãs e perceber melhor que coisas são essas que existem entre o céu e a terra.

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