Maicon Pogba se emociona ao ver o “primo” Paul Pogba voar pelo campo do estádio Lujniki de Moscou – a bandeira francesa tremula atada às duas mãos dele, braços atrás das costas quase chegando à cabeça.
– Terminou essa mixuruca de Copa, Maicon? Então traga mais uma cerveja. Foi o Alê, químico crescido vizinho de Maicon na Vila Industrial,o mais antigo bairro de Campinas. Teve a concordância de Zico, revendedor de cachaça artesanal fabricada pela família em Minas, e Renato, gerente das Casas Bahia.
Sócio do bar Place de la Concorde, Maicon, de 30 e poucos, desgruda-se do telão (onde ouviu Galvão Bueno gritar “acabou, a França é bicampeã do mundo”), levando cerveja gelada para a mesa de três velhos fregueses do bar da Vila – que de francês só tinha o nome.
– Não tenho culpa se vocês não têm parente famoso, brincou Maicon, abrindo a cerveja, olhos ainda marejados.
– Você prometeu trazer a certidão de nascimento do seu avô. Cadê? Foi Alê quem falou.
– Ele está enrolando, emendou.
– República da Guiné (zombou Renato), seu avô sempre morou na Vila, estava aqui antes de os italianos chegarem a Campinas. Meu pai conheceu o seo Antenor. Nem sotaque tinha.
– Ter esse sobrenome não prova nada, disse Alê.
– Vai ver Pogba é que nem Silva no Brasil – foi a vez de Zico ironizar
– Que primo, mano, ele nem sabe que você existe, fustigou Renato.
Maicon servia o trio de olho na festa francesa e no abatimento dos croatas. E observava a inveja dos brasileiros sentados à mesa entediados com a comemoração. Alê encerrou o assunto pedindo para o amigo tirar o som da TV e colocar música. Como o freguês sempre tem razão, a sugestão foi uma ordem. “Música boa”, ainda teve de ouvir.
Procurou no Youtube e, acidentalmente, leu Conversando no Bar. Nem conhecia, mas o título o seduziu e a se acentuou quando Elis começou a cantar:
“Lá vinha o bonde no sobe-e-desce ladeira”
Parecia música de velho, mas gostou dos acordes, ele que estava aprendendo violão havia três meses. Os amigos mal notaram o som. Gastavam tempo tentando entender as razões do fracasso da seleção brasileira.
“Descobri que as coisas mudam/ e tudo é pequeno…”
– Brasileiro não tem nem metade da disposição dos croatas.
– Falta amor pela camisa.
– São ricos, moram na Europa, estão se lixando pro país.
– Iam ganhar dois milhões cada um pelo título.
– Bando de mercenário.
– E você viu a presidente croata? Foi de avião de carreira, pagou a própria viagem. Igualzinho político brasileiro.
– Você imagina o Temer estragando a foto oficial se a seleção levasse o título?
– E o Tite não me convenceu.
“Descobri que minha arma é o que a memória guarda…”
– Casagrande não ficou repetindo que há uma nova ordem, que 71 gols da Copa foram de bola parada contra 30 de 2014? E eu digo que o futebol tic-tac da Espanha ficou pra trás e que neófitos reivindicam o protagonismo. Olhe a Croácia, vice, e a Bélgica, terceiro, enquanto os medalhões Alemanha, Argentina, Brasil e Espanha foram meros coadjuvantes.
– A incompetência da Itália foi tamanha que nem apareceu.
– Somos penta, tivemos Pelé, nosso nome está na história; porém, não somos mais os melhores.
– Por que perdemos de sete da Alemanha e não soubemos ganhar da Bélgica?
– Eles foram melhores. Simples.
– Temos de reconhecer a queda e aprender.
– É, ficar com mimimi e nhenhenhém não vai resolver nada.
– Fomos o país do futebol, tivemos a melhor seleção do mundo; isso é passado. Em 1958 meu pai tinha dez anos.
– Em 2002, nosso último título, o Mbappé tinha três.
“Nada de novo existe neste planeta/ que não se fale aqui na mesa de bar”
O mundo mudou. O futebol mudou. E mudou ontem. E o novo começou a ficar velho porque a vida é dinâmica. A seleção achou que ganharia quando desejasse, como se a história de glórias estivesse incorporada ao grupo por osmose. História cada um escreve a sua.
“Em volta dessa mesa velhos e moços/ lembrando o que já foi”
No telão, Kylian Mbappé, de ascendência camaronesa, beija a taça, feliz de, aos 19 anos, comemorar o título de campeão, como certo Pelé o fez aos 16. Mas Pelé é de outra categoria, disse o sábio jovem francês. Está no passado, mas a história fez dele uma referência com o objetivo de ensinar e evoluir.
Maicon se lembrou do Galvão ter dito que imigrantes eram 80% da seleção francesa e sentiu orgulho de ser negro. E de ser “primo” (mesmo se não fosse) de um sujeito da Guiné que virou francês. E de ser brasileiro do Brasil de Pelé, mesmo quando haja poucas razões, hoje, para se orgulhar deste país de anil.
“Em volta dessas mesas existe a rua/vivendo seu normal/ em volta dessa rua, uma cidade/ sonhando seus metais/ em volta da cidade…laralaralá, laralaralará….
* Conversando no Bar, de Fernando Brant e Milton Nascimento