Sofro de insônia, mas ela não me incomoda. Saio da caverna de madrugada e aguardo a aurora, geralmente conversando com Aurora, minha vizinha coruja. É hora de sossego, os morceguinhos dormem, como sempre, de cabeça para baixo.
Aurora chegou quando as luzes no horizonte anunciavam a aurora.
– Como está o clima na caverna depois do empate? – ela perguntou.
– Normal – respondi. – Acho que a expectativa não era muito boa mesmo. Reclamaram muito, xingaram um pouco, mas se conformaram logo. De resto, morcegos e bagres não são como gente, são mais sensatos. E você minha amiga, o que achou?
Depois de algum tempo ela pigarreou e disse que nunca foi de esperar muito, nem das pessoas, nem das instituições, nem das equipes de futebol.
– A gente espera demais – ela disse. – Geralmente mais do que as pessoas podem oferecer.
Quando se trata de seleção brasileira, costumamos esperar, não só que vença, mas que dê espetáculo, que ganhe todas as partidas, que nos redima. Que a cada lance nos promova à categoria de realizados, coisa que, no dia a dia raramente acontece.
– Mas você não acha que é normal pessoas quererem isso? – perguntei.
– Claro, todos podem querer qualquer coisa. Mas não terão. Futebol é um jogo. Se a vida já é tão imprevisível, imagine quando se trata de algo declaradamente jogo. Nunca se sabe o que vai acontecer. Nem nós, nem os jogadores, nem os técnicos. E é isso que torna o futebol interessante. Se soubéssemos o que poderia acontecer não teria graça. Se tudo acontecesse conforme nossos desejos, também não teria graça. Morreríamos de tédio.
Para Aurora, a vida vale a pena por causa da graça de viver. Graça, para ela, é apenas viver. Como fazemos quando aguardamos a aurora e os primeiros raios de sol o precedem e pintam o céu ainda cheio de estrelas. Um ou outro morceguinho voltam de algum voo boêmio. Acho que é boêmio pelo modo como voam. Aurora, assim que uma pontinha de sol aparece no horizonte se despede e voa para sua toca. Ainda fico por ali um tempinho e depois me recolho à caverna silenciosa.